Além do efeito da crise, grupo está mais inclinado a aceitar regimes flexíveis
Flávia Lima, da Folha de S. Paulo
Uma análise mais aprofundada dos dados sobre o mercado de trabalho desde 2012 mostra que a oferta de vagas com carteira assinada caiu dramaticamente para um segmento bem específico: os mais jovens.
O número de vagas formais no setor privado entre jovens de até 24 anos recuou mais de 25% de 2012 a 2018. A redução de postos com carteira assinada no período foi de 1,9 milhão apenas nesse segmento.
O trabalhador mais jovem foi, de longe, o mais afetado pela crise, mostra o levantamento feito por Cosmo Donato, economista da LCA Consultores, com base nos microdados da Pnad, a pesquisa por amostra de domicílios do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O saldo de empregos com carteira assinada no grupo de pessoas com idade entre 25 e 44 anos também foi negativo, mas numa intensidade bem inferior —queda de 481,3 mil.
Acima dos 45 anos, o saldo de vagas formais foi positivo em quase 1 milhão.
Sem os jovens, o saldo de vagas no setor privado com carteira assinada —considerado o empregado por excelência— teria sido positivo no período em mais de 500 mil postos.
No geral, com pouca experiência e qualificação, os jovens formam o grupo que, historicamente, mais sofre em situações de instabilidade no mercado de trabalho.
Após uma das maiores recessões da história, a taxa de desocupação entre pessoas de até 24 anos fechou 2018 em 27,2% —bem mais do que o dobro da média registrada pelo mercado em geral, de 11,6%.
Especialistas identificam, porém, fenômeno ainda inicial que também pode explicar a queda na contratação formal no segmento: entre os jovens, em especial os mais escolarizados, haveria uma maior disposição a aceitar regimes de contratação mais flexíveis.
Seria uma forma de ganhar um pouco mais e, ao mesmo tempo, encontrar vagas com um perfil mais próximo às pretensões desse grupo.
Pesquisa do Datafolha de setembro do ano passado apontou que metade dos eleitores brasileiros até 24 anos prefere ser autônomo, com salários mais altos e pagando menos impostos, ainda que sem benefícios trabalhistas, a ter carteira assinada.
Na faixa seguinte, entre 25 e 34 anos, a opção pela autonomia foi ainda maior (55%). A preferência, no entanto, caía para 47% entre 45 e 59 anos e 46% acima de 60 anos.
Ramon Barreto, 24, é um desses jovens. Ele atua na área de marketing de eventos esportivos e passa pela primeira experiência como PJ (pessoa jurídica que presta serviços a uma empresa via contrato).
Barreto conta que participou de outros processos seletivos até tomar a decisão de aceitar a vaga sem carteira assinada e sentiu insegurança, pois não conhecia os trâmites para abertura de empresa e emissão de notas fiscais.
“Mas, colocando tudo na balança e pensando no que era bom para mim profissionalmente, meio que compensava não ter os benefícios da CLT.”
José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), diz que a preferência efetiva do jovem pelo trabalho autônomo é uma hipótese que só pode ser testada em períodos de normalidade –algo descolado do que viveram os trabalhadores nos últimos anos.
Como mostram os números, muitos jovens estão, na verdade, desempregados. Outros podem ter sido levados pela situação de crise a aceitar vaga sem carteira.
Ainda assim, Afonso diz que, para além da pejotização —fenômeno mais antigo e desencadeado pela alta tributação no mercado de trabalho—, já é possível identificar um processo novo e mais global, em que o trabalho é exercido sem contrato, sem local definido e sem horário fixo, em um contexto no qual o corte por idade é fundamental.
“Há um trabalhador jovem com menor preferência por ser empregado CLT, pois pode optar por mais flexibilidade, em linha com as mudanças tecnológicas”, diz Juliana Damasceno, também economista do Ibre e coautora de textos sobre o tema com Afonso.
Após alguns meses trabalhando como PJ, Barreto diz que atuar como pessoa jurídica traz flexibilidade para todos os envolvidos.
“Eu tenho um horário acertado, mas, se eu consigo entregar as demandas, não existe a rigidez de ter que bater ponto. Isso facilita para mim e para a empresa, que não tem um funcionário cumprindo horário por tabela e pode contar com o comprometimento do profissional para as entregas.”
Responsável pela pesquisa dos dados, Donato, da LCA, afirma que ainda é cedo para entender se a retomada do emprego decorrente da recuperação econômica levará os mais jovens a serem contratados novamente no regime CLT ou se as mudanças ocorridas na recessão têm caráter mais permanente.
“Ainda não dá para entender se os arranjos informais estabelecidos pelos mais jovens e seus empregadores no mercado de trabalho vieram para ficar”, diz Donato.
Bruno Ottoni, pesquisador da consultoria IDados, concorda. “Questões mais estruturais são mais difíceis de discutir. É cedo para falar de automação em um país como o Brasil”, afirma ele.
Após quatro anos de recessão e crise, não há, até agora, sinal de recuperação da formalidade, afirma João Saboya, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e especialista em mercado de trabalho.
“E, enquanto não houver crescimento econômico mais forte, não vejo sinal de recuperação da carteira assinada entre os mais jovens”, diz ele.
Do alto de seus 24 anos, Barreto afirma que, quando avalia a dinâmica do mercado de trabalho e as opções que têm sobre a mesa, acredita que existem chances de que volte a ter a carteira assinada. Mas a tendência mais forte, diz ele, é a flexibilização.