Presidente da Casa reclama de condução do governo Bolsonaro na pandemia e diz que marca de sua gestão foi recuperar ‘protagonismo’ do Parlamento
Danielle Brant e Julia Chaib, Folha de S. Paulo
BRASÍLIA – O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerra em fevereiro de 2021 o último de três mandatos seguidos à frente da Casa.
Em entrevista à Folha, ele avalia que a marca de sua gestão foi recuperar o protagonismo do Parlamento, além de ressaltar o papel do Congresso no combate à pandemia.star
Nos últimos dias, Maia anunciou a formação de um bloco para a disputa da sua sucessão que reúne 280 deputados, de partidos de centro-direita e direita (DEM, MDB, PSDB e PSL) e de oposição, como PT, PC do B, PDT e PSB.
O candidato é Baleia Rossi (MDB-SP), que vai disputar o cargo com Arthur Lira (PP-AL), líder do chamado bloco do centrão e apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
O seu grupo na disputa, avalia Maia, é um ensaio para a eleição presidencial de 2022 e “um grande passo” para diminuir as radicalizações no país.
Como o senhor avalia a sua gestão?
Nós tivemos durante um longo período do ano passado e até o meio da pandemia o entorno das redes sociais do governo, do presidente, com muita agressão ao Parlamento, ao Supremo e às instituições democráticas.
Na pandemia, se não fosse o Congresso, a maioria dos projetos mais importantes não teria andado. Acho que foram dois anos de uma experiência muito interessante e perigosa nesse enfrentamento, que chegou até a se jogar fogos em direção ao Supremo Tribunal Federal.
A experiência adquirida anteriormente me ajudou a manter o equilíbrio, manter o diálogo institucional e, principalmente, com os ministros técnicos do governo, para que a Câmara pudesse ter um protagonismo importante [após a entrevista, acrescentou, em mensagem, que seu maior arrependimento foi ter ‘levado o Paulo Guedes a sério’].
O sr. teve uma trégua no relacionamento com o Paulo Guedes, mas depois desandou. O sr. conversou com ele no último mês?
Não estou rompido com ele não. Mas eu não preciso [dialogar com ele]. Votamos tudo sem a gente precisar ter um diálogo.
Algumas votações defendidas pelo sr. não ocorreram. Por exemplo, a PEC Emergencial, que poderia abrir espaço para ampliar o Bolsa Família.
Do meu ponto de vista, foi um erro [deixar para 2021]. A gente deveria ter avançado, com toda polêmica. Porque era um desgaste menor abrir espaço no Orçamento e garantir a ampliação do Bolsa Família do que deixar milhões de brasileiros sem nenhum tipo de proteção, mesmo que a proteção fosse um valor menor que o valor do auxílio emergencial.
Por isso que eu sempre defendi que a reforma mais importante naqueles últimos meses era a PEC Emergencial. Por isso defendi a não entrada em recesso por parte do Congresso, mas o governo interpretou isso como uma tentativa de usar o plenário da Câmara na minha sucessão.
O sr. chegou a dizer que havia maioria para aprovar a reforma tributária. Por que não pautou?
Não votar a reforma tributária foi, do meu ponto de vista, um erro grave do governo. A gente não está aqui só para dizer que aprovou coisa, estamos aqui para aprovar com diálogo, e a tributária precisa do diálogo com o governo.
Mexer nos tributos sem estar organizado com a Receita, com os técnicos do governo… seria um capricho meu tentar avançar sem isso estar bem organizado. Voto tem, e tenho certeza de que no início do ano vai ser votado, mas a questão política prevaleceu em detrimento da sociedade brasileira.
Nessas semanas foram muitos projetos obstruídos pelos partidos da base do governo. O senhor viu uma tentativa do governo de tentar minar o final de sua gestão?
Eu acho que sim, mas acho que erraram, né? A última semana de trabalho mostrou que a Câmara tem uma maioria que quer aprovar projetos. A equipe política, no final, fez política populista. Deixou a pauta em aberto para eu pautar. Mas tenho responsabilidade. E de nenhuma forma tento aprovar projetos que não sejam dialogados com os quadros técnicos de cada uma das áreas das matérias.
Ter conseguido vencer a obstrução pode ser encarado como um fator positivo?
Acho que é uma sinalização forte que a base que o governo construiu na Câmara não é majoritária. Mostra que o que foi vendido ao presidente, que teria uma base majoritária na Câmara, não é um dado da realidade. Não significa que ele não tenha apoio para aprovar reformas que modernizem o Estado brasileiro, isso ele tem. Agora, ele não tem uma maioria política no plenário da Câmara dos Deputados.
Supondo que o Baleia [Rossi, candidato do bloco de Maia] vença as eleições, o senhor acha que ele pode enfrentar obstrução no início dos trabalhos?
Não, porque a base do governo acabou sendo usada pelo interesse do candidato do presidente Bolsonaro. Acabada a eleição, acabou essa disputa.
Mas o seu grupo construiu uma candidatura de oposição ao governo. O que faz o senhor acreditar que esse diálogo com o Executivo vai se dar de forma harmônica?
Não estamos em oposição a ninguém, estamos a favor da democracia, da liberdade, do meio ambiente. O nosso campo vota majoritariamente a favor da agenda econômica do governo. Após a sucessão, é óbvio que a agenda econômica vai continuar sendo liberal. Eu sempre disse que o perfil que eu acredito vencedor da Câmara vai ser alguém que seja independente.
O senhor acha que o Arthur Lira não é um candidato que garante independência à Câmara?
Eu não vou tratar do candidato do Bolsonaro. Eu trato da candidatura que nós defendemos. O governo muitas vezes defende pautas que geram o conflito, o ódio na sociedade, como na pauta ambiental e de costumes.
Quando você transfere para o Congresso essas pautas, você transfere, primeiro para a Câmara, essa polarização que não tem sido boa para a sociedade. Temos convicção que esse bloco que nós representamos afirma a importância e defende a independência da Câmara.
A gente passou o ano na expectativa de uma definição no Supremo ou no Congresso sobre a possibilidade de reeleição. O sr. se arrepende de não ter deixado claro que não seria candidato?
No meio do julgamento não ia dar a minha opinião. Mas antes disso todo mundo sabia. Eu disse claramente a alguns ministros do Supremo com quem conversei que não seria candidato. Mas eu não vou entrar nessa especulação, é besteira. Imagina se alguém tem poder de influenciar o plenário do Supremo. É diminuir e minimizar a importância de 11 ministros.
O sr. conversou com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, desde a decisão do Supremo? A decisão pelo nome do Baleia também passou pelo Senado?
Não, não conversei, mas eu estou tratando da Câmara e ele do Senado. Não conversei com ninguém do Senado, nenhum senador, nenhum senador do MDB, do DEM.
O PT fez uma reunião no dia do anúncio em que colocou ressalvas a Baleia. Por que o Baleia, se o maior partido de oposição tem resistência a ele?
Esse é um processo de construção política. E temos um bloco que representa 280 parlamentares. E a representação dos 280 de forma majoritária compreendeu que o melhor caminho seria pelo Baleia, que começaria unificando o MDB e, dali para frente, unificaria toda a base. E ele tem toda a condição, como o Aguinaldo [Ribeiro, do PP] tinha, de construir uma relação com o PT, com o PSB, PDT e PC do B para que a gente tenha todos os votos unidos da esquerda.
Há o compromisso com a oposição de não pautar privatizações?
Não. Não há compromisso de deixar de pautar matéria alguma.
Esse bloco que o senhor formou pode ser um ensaio para 2022?
A nossa demonstração é que a gente pode dialogar, que a gente pode sentar numa mesa, divergir, mas construir consensos, construir projetos que, de fato, caminhem no interesse da sociedade brasileira. Acho que isso é o que esse bloco mostra, que a gente é capaz, mesmo tendo muitas diferenças em muitos temas, de sentar numa mesa e discutir a nossa democracia e o interesse do Brasil. Eu acho que é um sinal forte de que parte desse bloco pode estar junto em 2022. Nós demos o grande passo para reduzir de vez a radicalização da política brasileira. O [Winston] Churchill tem uma frase muito interessante: ‘Aqueles que nunca mudam de ideia nunca mudam nada’.
E, nesse sentido, o senhor acha que é difícil ter uma chapa com a oposição…
Olha, nós temos uma grande dificuldade na pauta econômica, mas nada que não possa ser pactuado para uma eleição em 2022 e parte desse bloco possa estar junto.
E quem se encaixa melhor nesse perfil pensando em 2022? O Luciano Huck ou o João Doria?
Acho que são dois ótimos nomes. Tem o próprio ACM Neto [presidente do DEM] que é um ótimo nome, tem o Ciro Gomes [PDT] que é um ótimo nome, o Paulo Câmara [PSB] está terminando o governo [de Pernambuco], quem sabe ele também queira participar. Então acho que a gente tem que dialogar.
Qual vai ser a atuação do senhor nisso?
Sou um deputado do DEM. Estou à disposição do DEM para ajudar na construção de uma chapa, que possa ser a mais ampla possível e que possa ter um projeto de nação. Hoje nós infelizmente não sabemos qual o projeto desse governo.
Vários países começaram a vacinar, e o Brasil mal tem um plano de vacinação. Como o sr. vê o enfrentamento do governo nessa questão?
A vacina é o único caminho para que o Brasil retome a sua normalidade e a gente garanta vidas. É lastimável a posição do governo negando a vacina, não tendo um plano, não organizando e vendo os outros países inclusive da própria região começando a vacinar. E a cada dia de atraso na vacina são mil mortos no Brasil, vidas que a gente perde pela incompetência e falta de responsabilidade do governo.