Assessores palacianos preveem enfrentamento eleitoral e apostam no antipetismo e em destaque de casos de corrupção de gestões petistas
Ricardo Della Coletta e Daniel Carvalho, Folha de S. Paulo
Após o reestabelecimento dos direitos eleitorais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente Jair Bolsonaro disse que o ministro Edson Fachin (STF) é ligado ao PT, falou em “bandalheira” dos governos petistas e afirmou que os brasileiros não querem a volta do ex-mandatário ao poder.
As declarações do presidente foram na linha do que assessores palacianos preveem num eventual enfrentamento eleitoral entre Bolsonaro e Lula em 2022: a aposta no antipetismo e na polarização com a esquerda, com destaque para os casos de corrupção que marcaram as administrações petistas.
“As bandalheiras que esse governo [do PT] fez estão claras perante toda a sociedade. Você pode até supor a questão do sítio em Atibaia, do apartamento, mas tem coisa dentro do BNDES que o desvio chegou na casa de meio trilhão de reais, com obras fora do Brasil”, afirmou Bolsonaro ao chegar ao Palácio da Alvorada. As falas foram transmitidas pela rede CNN Brasil.
“Os roubos, desvios na Petrobras, foram enormes, na ordem de R$ 2 bilhões que o pessoal na delação premiada devolveu. Então foi uma administração realmente catastrófica do PT no governo”, acrescentou.
“Eu acredito que o povo brasileiro não queira sequer ter um candidato como esse em 2022, muito menos pensar numa possível eleição dele”.
Bolsonaro ressaltou ainda a reação negativa do mercado, com queda da bolsa e alta do dólar, e disse que todos sofrem com a decisão judicial. O mandatário também investiu contra Fachin, que expediu a decisão que anulou as condenações de Lula.
“O ministro Fachin sempre teve uma forte ligação com o PT, então não nos estranha uma decisão nesse sentido. Obviamente é uma decisão monocrática, mas vai ter quer passar pela turma, não sei, ou plenário [do STF] para que tenha a devida eficácia”, declarou.
Ele defendeu que os demais ministros da corte revertam a decisão que reabilitou os direitos de Lula. O ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro foi ministro da Justiça e da Segurança Pública do governo Bolsonaro, mas pediu demissão no ano passado acusando o presidente de tentativa de interferência na Polícia Federal.
Fachin foi indicado para o Supremo pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2015.
Nesta segunda, o ministro concedeu habeas corpus para declarar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar quatro processos que envolvem Lula —o do triplex, o do sítio de Atibaia, o de compra de um terreno para o do ex-presidente e o de doações para o mesmo instituto.
Lula está, portanto, com os direitos políticos recuperados e pode se candidatar a presidente em 2022.
Na decisão desta segunda, Fachin argumentou que os delitos imputados ao ex-presidente não correspondem a atos que envolveram diretamente a Petrobras e, por isso, a Justiça Federal de Curitiba não deveria ser a responsável pelo caso. Na prática, ele devolveu os processos envolvendo à estaca zero.
Auxiliares de Bolsonaro destacam reservadamente que a decisão de Fachin —se mantida até o final do próximo ano— estabelece as bases de um processo eleitoral altamente polarizado entre Lula e Bolsonaro.
Conselheiros palacianos opinam que esse cenário tende a sufocar qualquer candidato de centro.
Também dizem que fere de morte a montagem de uma “frente ampla” contra o bolsonarismo.
Alguns aliados avaliam como positivo esse quadro: um postulante de centro no segundo turno poderia reunir apoios de diferentes segmentos, desde da direita desiludida com o estilo radical do mandatário quanto a esquerda.
Mas outros conselheiros pontuam que a recolocação de Lula no tabuleiro eleitoral pode deixar Bolsonaro numa situação incômoda.
Se por um lado permitiria ao presidente reeditar um discurso calcado no antipetismo e no medo da volta da esquerda, Lula é visto como um adversário bem mais competitivo do que o ex-candidato a presidente pelo PT em 2018, Fernando Haddad. Bolsonaro derrotou Haddad em segundo turno, com 55,13% dos votos contra 44,87%.
Além do mais, um Lula bem posicionado nas pesquisas de opinião de primeiro turno poderia atrair para sua coligação partidos de centro que hoje orbitam o Palácio do Planalto.
Por último a rejeição afetaria os dois postulantes. Lula tem o flanco exposto do antipetismo, mas Bolsonaro já não será um candidato de primeira jornada e terá o desgaste de quatro anos no poder, com uma pandemia que paralisou o país e deixou milhares de mortos.
Em outra entrevista concedida nesta segunda, para a Rede Bandeirantes, Bolsonaro deu nova ênfase a escândalos de corrupção da era petista.
“É muito ruim para o Brasil porque, a partir do momento que você diga que o Lula, [que] foi tudo anulado no tocante a ele, é sinal de que não houve petrolão, não houve roubalheira em várias estatais, em bancos oficiais como o BNDES, não houve nada isso”, disse o presidente.
“O governo do Lula funcionava, diferentemente do meu, na base da compra. Era uma festa. Você lembra, naquele tempo dele era muito comum, de acordo com o que estava sendo votado [no Congresso], uns partidos perderem ministérios, outros ganharem. Assim como bancos oficiais, assim como estatais, diretorias das mesmas. Essa fase de governar que ele fazia lá atrás, coisa que nós não fazemos aqui”, concluiu.
Questionado, Bolsonaro disse que “não tem problema” enfrentar Lula, mas voltou a bater na tecla na necessidade do voto impresso —uma bandeira do bolsonarismo, que ecoa teorias, sem provas, de fraude na urna eletrônica.
“Não tem problema. Gostaria de enfrentar qualquer um, se eu vier candidato, com um sistema eleitoral que pudesse ser auditado, no caso aí um voto impresso ao lado da urna eletrônica, e não apenas este voto eletrônico que está aí, porque muita gente, cada vez mais, reclama dele. E nós queremos umas eleições onde não deixe dúvidas. A preocupação nossa é enorme no tocante a isso aí.”