Folha de S. Paulo: À frente do STF, Toffoli impôs freios à Lava Jato e acumulou polêmicas

Ministro conclui gestão marcada por inquérito das fake news e crises entre os Poderes; Fux assume dia 10.
Foto: Carlos Moura/SCO/STF (04/04/2018)
Foto: Carlos Moura/SCO/STF (04/04/2018)

Ministro conclui gestão marcada por inquérito das fake news e crises entre os Poderes; Fux assume dia 10

Matheus Teixeira e Júlia Chaib, da Folha de S. Paulo

Dois anos depois de tomar posse como presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Dias Toffoli encerra o mandato no comando da corte em 10 de setembro ​com uma gestão marcada por polêmicas.

No cargo, Toffoli abriu o inquérito das fake news, impôs reveses à Lava Jato, pautou o julgamento que levou à soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e se aproximou do atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

De um lado, foi criticado por ter adotado medidas que procuradores e integrantes do Judiciário consideraram arbitrárias.

A instauração de investigação sobre disseminação de notícias falsas contra ministros do Supremo sem provocação da PGR (Procuradoria-Geral da República) e a decisão que lhe deu acesso a dados sigilosos de mais de 600 mil pessoas no caso do Coaf são alguns dos exemplos nesse sentido.

Por outro lado, no entanto, integrantes de tribunais superiores e líderes do Congresso atribuem ao ministro um papel importante para manter a normalidade institucional diante da ofensiva de Bolsonaro contra o STF e o Legislativo.

As críticas a Toffoli começaram já no discurso de posse por ter proposto um pacto entre os três Poderes, que devem ser independentes entre si de acordo com a Constituição.

Quando assumiu o comando do Supremo, em 13 de setembro de 2018, o presidente da República era Michel Temer (MDB), e Toffoli manteve boa relação com o Executivo.

Foi depois de muita negociação com o emedebista que Toffoli garantiu uma vitória para a magistratura, mas que também foi alvo de duras críticas: o chefe do Executivo sancionou o aumento de 16,38% para os integrantes do Supremo.

Como o subsídio da corte é o parâmetro para os demais salários do funcionalismo público, a medida teve efeito cascata e elevou o teto salarial constitucional de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil.

Como parte do acordo, no mesmo dia da sanção o ministro Luiz Fux, que agora assume a presidência no lugar de Toffoli, revogou a própria decisão que concedia auxílio-moradia a todos os juízes do Brasil.

Com a troca de comando na Presidência da República, as críticas à relação de Toffoli com o governo aumentaram ainda mais.

O ministro se aproximou de Bolsonaro e foi cobrado internamente por ter demorado a responder aos ataques do presidente, que chegou a criticar diretamente ministros do STF e a ameaçar descumprir ordens judiciais.

A presença de Bolsonaro nos atos antidemocráticos em frente ao QG do Exército em Brasília, no dia 19 de abril, por exemplo, não foi alvo de repreensão de Toffoli, enquanto colegas criticaram publicamente o episódio.

Em 9 de junho, após esquentar o clima entre os Poderes, porém, Toffoli deu a declaração mais enfática contra o presidente: “Algumas atitudes têm trazido uma certa dubiedade, e essa dubiedade ela impressiona e assusta a sociedade brasileira”.

Na entrevista coletiva à imprensa em que fez um balanço de sua gestão no STF, porém, o ministro voltou a botar panos quentes e disse que nunca viu uma ação de Bolsonaro contra a democracia.

Em um gesto em direção a Bolsonaro, Toffoli chegou a suspender investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no caso da suposta “rachadinha”, que apura se o filho do presidente liderou um esquema de desvio de salários dos servidores quando era deputado estadual no Rio de Janeiro.

A decisão beneficiou Flávio, mas teve um impacto muito maior: Toffoli mandou paralisar todas as apurações do país que tivessem como base dados do Coaf, órgão de inteligência financeira, sem autorização judicial.

O ministro sempre procurou desempenhar um papel de apaziguador nos inúmeros desentendimentos, muitos deles públicos, entre Bolsonaro e líderes do Congresso ou mesmo integrantes do STF.

Enquanto mantinha boa relação com o presidente, porém, Toffoli partiu para cima da rede de disseminação de notícias falsas contra membros da corte. A forma usada para dar uma resposta aos ataques ao Supremo, contudo, não foi bem recebida, nem no mundo jurídico nem no político.

O ministro instaurou de ofício, ou seja, sem provocação da PGR, o inquérito das fake news. Além disso, indicou o ministro Alexandre de Moraes para ser o relator do caso sem realizar sorteio, como ocorre geralmente.

Ministros criticaram publicamente a ação de Toffoli, mas o ponto fraco da sua gestão, mais tarde, virou seu grande trunfo. A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, chegou a defender que fosse anulada a investigação.

A ampliação dos ataques ao Supremo empreendidos pela militância bolsonarista mudou o cenário.

Prova disso é que o ministro evitou levar uma ação do partido Rede Sustentabilidade contra a instauração do inquérito com medo de sofrer uma derrota no plenário, mas, um ano e três meses depois pautou o julgamento do caso.

E, por 10 a 1, a corte declarou o inquérito constitucional. Na entrevista em que se despediu da presidência, Toffoli classificou a instauração da investigação como a decisão mais difícil de sua gestão no comando da corte.

Ele diz que a ação foi acertada e afirma que os ataques diminuíram em mais de 80% após o início das apurações.

As derrotas à Lava Jato também marcaram sua gestão. Ainda em março de 2019, o Supremo decidiu que casos de corrupção e lavagem de dinheiro associados ao crime de caixa 2 deveriam sair da Justiça Federal e ser remetidos à Justiça Eleitoral.

Em outro momento, o STF mudou a regra das delações e determinou que os réus delatores devem entregar alegações finais antes dos delatados. A medida levou à anulação da condenação do ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil Aldemir Bendine.

O maior revés para a operação veio no final de 2019, quando a corte mudou a jurisprudência que permitia a execução de pena após decisão em segunda instância, entendimento que havia garantido a prisão de diversos investigados pela Lava Jato.

O ministro também aproveitou a troca de comando na PGR para fazer uma dobradinha com Augusto Aras, atual procurador-geral, em uma ofensiva contra a Lava Jato.

Como no recesso o presidente da corte responde pelo tribunal, em 9 de junho deste ano Toffoli deu provimento a um pedido da Procuradoria para que fosse determinado o compartilhamento de todos os dados da operação com a cúpula da PGR.

A decisão foi considerada ampla demais. Na volta das férias, o ministro Edson Fachin revogou a ordem do colega.

Apesar das críticas de procuradores e membros do Judiciário, Toffoli manteve relação estreita com a cúpula do Congresso e ministros de outros tribunais, além de associações.

Esses atores veem como marca de Toffoli o estilo conciliador e atribuem a ele o arrefecimento das diversas crises entre os Poderes protagonizadas ao longo do governo Bolsonaro.

O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, lembra que Toffoli enfrentou uma série de crises institucionais. “Acho que ele foi muito capaz nessa tarefa [de tentar pacificar as relações].”

A presidente da AMB (Associação de Magistrados Brasileiros), Renata Gil, também elogia a interlocução de Toffoli com os outros Poderes e ressalta as iniciativas do ministro à frente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

“A gente conseguiu evoluir muito, tanto no Supremo como nos tribunais, com relação a processos eletrônicos, inteligência artificial. Ele desenvolveu sistemas em parceria com tribunais, que aceleram as execuções fiscais.”

PRINCIPAIS MOMENTOS DE TOFFOLI À FRENTE DO STF

POSSE
13.set.18
 Toffoli toma posse como presidente do STF, prega harmonia e propõe um pacto entre os três Poderes para tirar o Brasil da crise

PLANALTO
24.set.18
 Assume a presidência da República pela primeira vez durante viagem do então presidente Michel Temer (MDB) a Nova York para participar da Assembleia Geral da ONU

FAKE NEWS
14.mar.19
 Alvo de ataques de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, ministro instaura inquérito para investigar fake news contra magistrados da corte. A abertura de investigação sem pedido da PGR é criticada, assim como a escolha, sem sorteio, Alexandre de Moraes para relatar do caso

FLÁVIO
16.jul.19
 A pedido do senador Flávio Bolsonaro, Toffoli determina a suspensão de investigações criminais que usassem dados detalhados de órgãos de controle sem autorização judicial. Na prática, paralisa investigação do MP-RJ contra Flávio. Em novembro, o plenário do tribunal reviu a decisão

SEGUNDA INSTÂNCIA
7.nov.19
 O STF reforma entendimento que permitia a execução de pena após decisão de segunda instância. O ex-presidente Lula é solto

DADOS SIGILOSOS
14.nov.19
 A Folha revela que Toffoli teve acesso a dados sigilosos de mais de 600 mil pessoas após intimar a Receita e o Coaf a lhe enviarem todos os relatórios de inteligência e representações fiscais feitos nos últimos três anos. Quatro dias após a reportagem, o ministro reviu a própria decisão

FIM DAS RESTRIÇÕES
9.mai.20
 Supremo derruba restrições à doação de sangue por homens gays

BOLSONARO
9.jun.20
 Após ataques de Bolsonaro ao STF, Toffoli repreende de maneira mais enfática comportamento do presidente da República: “Algumas atitudes têm trazido uma certa dubiedade, e essa dubiedade impressiona e assusta a sociedade brasileira”

FOGOS
​14.jun.20
 Manifestantes lançam fogos de artifício contra a sede do STF. Toffoli pede à Polícia Federal e à PGR medidas contra o ataque

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