Fernão Lara Mesquita: Para nos livrar dos blocos e centrões

O Brasil está sonhando com uma ressurreição moral que sabe que não virá.
Foto: Agência Brasil
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O Brasil está sonhando com uma ressurreição moral que sabe que não virá

O que se disputou até agora, faltando dois meses para a eleição, foram só os 12 minutos e 30 segundos de televisão. Ninguém está nem aí pra você. Nem lhe dirigem a palavra. Cada mandato cooptado dá direito a mais alguns segundos. O PT tem 1 e 31, o MDB 1 e 27, o PSDB 1 e 13. Daí pra baixo, quanto mais novo na profissão, menos segundos. Mas vale coligação. Os virgens estão condenados ao silêncio, a menos que passem a rebolar-se para as bruacas velhas do “sistema”. A cada dono de partido as suas estatais e os seus ministérios. A cada “bloco” de donos de tetas, a reversão desta ou daquela “reforma”. Os candidatos “se viabilizam” inviabilizando pedaços do nosso futuro. E quem não jogar com a regra nem entra no jogo…

Mas não se indigne ainda. A indignação sem foco é o ópio do cidadão. Mata qualquer esperança de raciocínio objetivo e os põe exatamente onde os querem os profissionais.

O objetivo disso tudo não é dinheiro. Ninguém quer dinheiro pelo dinheiro. Dinheiro é só o meio mais eficiente de comprar poder. Por isso nenhum cofre jamais precisou ser arrombado no país mais roubado da história do universo. Os donos do poder é que os escancaram para comprar mais poder. E, no entanto, a voz corrente é de que o “poder econômico” é que é o agente, e não o mero coadjuvante da ladroagem. A decorrência obrigatória dessa convicção é que o Estado, o outro nome do poder, é a solução, e não o problema. E tome fundo partidário + um cacife de minutos de suspensão da censura às mídias de massa para vender + o “financiamento público” de campanhas, tudo para “livrar a política da influência do poder econômico”, e cá estamos onde a indignação sem foco nos pôs: ninguém entra, ninguém sai. E como o voto é obrigatório e leva quem tiver a maioria que der, paparicar o eleitor pra quê?

Quem não vive de teta continua no escuro, tentando adivinhar quem “não é contra” esta ou aquela “reforma”. De reforma mesmo, sem aspas, nem os políticos, nem os “especialistas”, nem os seus mais aguerridos antagonistas são a favor. Uns só prometem e os outros só cobram meias-solas para impedir que o organismo parasitado morra já, ou porque estão embarcados na nau do marajalato, como estão todos os candidatos e família, ou porque assim lhes permite o silêncio reinante, pois, no escurinho de cada consciência do Brasil com voz, ninguém quer arriscar o caquinho de migalha que as “excelências” e os “meritíssimos” têm a esperteza de conceder a todos e a cada um para dividir os otários. O resto, o Brasil sem teta nem voz, este está no meio do tiroteio. Tem mais com que se preocupar.

China de um lado, “privilegiatura” do outro. Fusões e aquisições, supersalários e superaposentadorias, tudo sem limites. A classe média meritocrática está em vias de extinção. Só sobrou a corte debaixo do para-raio. O Brasil inteiro vive a “síndrome do Jardim Europa”: menos ricos muito mais ricos, comprando os vizinhos, construindo palácios, e o favelão continental crescendo em volta debaixo de tiro e debaixo de peste. No fim vão sobrar três ou quatro castelos e quem sair fora das muralhas sem um exército à sua volta será comido vivo.

A sociedade dividida em dois extremos, sem meio, é tudo o que os “venezuelanos” querem. Seja quem for que entrar, seguir poupando a corte em detrimento do povo vai nos jogar no colo deles. Eles sabem que só conseguirão segurar a barra que vem vindo a tiro, mas é este o seu diferencial: estão dispostos a saltar para esse nível de crime. Vivem aplaudindo quem já está nele. Não acreditam em mais nada e é isso que os faz duas vezes mais perigosos.

O Brasil está sonhando com uma ressurreição moral que sabe que não virá. O que faz o padrão moral da política é a regra do jogo, e não a iluminação pelos céus de um mítico “candidato honesto”, seja de que “lado” for. Não haverá pacote de leis, nem que venha assinado pelo Homem de La Mancha em pessoa, que resolva isso. Nós somos todos testemunhas. Todas as leis anticorrupção viraram as mais poderosas armas da corrupção. Prende este! Solta aquele! Mexeu no meu privilégio? Maldita Geni!

Tem dado pra trabalhar com esse barulho?

Seja quem for que inicie a cena, quem decide o final são sempre os titulares dos “direitos” que só a “eles” é dado “adquirir”. É essa dimensão coletiva, sem rosto, que os une a todos, os mais e os menos mal intencionados, pela ação ou pela omissão. Quem manda, quem escreve a regra, quem nunca sai do poder é “o bloco” das corporações donas do Estado.

A base de toda a trapaça nesse campo – e muito pouca coisa ao norte de Curitiba não é – é a ideia de que são as pessoas e não o “sistema” que está errado. Se forem só as pessoas, basta prender as da hora e sonhar com a eleição de “um cara honesto” que passa. Se for o “sistema”, então estamos todos errados e será preciso suspender as hostilidades e mudar o País de dono antes de começar a prender de novo, agora para valer.

A lei é a força absoluta. Na mão de qualquer outro, vira uma arma e uma gazua. “Para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei.” Por isso a grande invenção do milênio foi dar exclusivamente ao povo o poder de fazer e de acionar a lei. O jeito disso mudar de conversa para realidade demorou séculos para apurar. Voto distrital puro porque poder é um perigo e por isso precisa ser picado em pedacinhos. Eleições primárias diretas porque não dá pra funcionar senão por representação, mas nós precisamos da dos índios, não da dos caciques. Retomada de cargos e mandatos a qualquer momento para que os representantes nunca se esqueçam de quem é que manda. Referendo do que vier do Legislativo para que a lei não seja transformada em gazua nem em arma de opressão. Leis de iniciativa popular para que você paute o representante, e não o contrário. Eleições de retenção de juízes pois o crime organizado ataca por cima e por baixo e as paradas e tentações são altíssimas.

Aí o controle do seu destino passa a ser seu. Fora daí é rezar, a cada quatro anos, para que o próximo déspota venha menos torto que o anterior.

* Fernão Lara Mesquita é jornalista.

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