Faltou agilidade e senso de urgência ao setor público, e a conta será paga pelos mais pobres
Lucas tem 17 anos e foi trabalhar, leio em uma reportagem. Cursava o último ano do fundamental e largou. Foi no ano passado, em meio à pandemia. A internet em casa não era das melhores para fazer as tarefas da escola e a situação econômica apertou. Quem sabe um dia volta em algum supletivo.
Lucas não é exceção. A evasão escolar sempre foi alta no Brasil. Um estudo do Inep mostrou que, entre 2010 e 2016, apenas 49,3% dos alunos e 61,3% das alunas do sexto ano do fundamental concluíram, no tempo certo, o ensino médio.
A pandemia irá piorar isto e ampliar ainda mais o “gap” de gênero. O Unicef mostrou que o Brasil é um dos cinco países que mais permaneceu com escolas fechadas. Foram 191 dias entre março de 2020 e fevereiro de 2021, contra 52 dias na média europeia.
São evidentes os danos que isso irá gerar. A “geração Covid” terá um déficit de aprendizagem. Terá desvantagem quando for disputar espaços no mercado. O Banco Mundial diz que o percentual de estudantes sem o conhecimento mínimo para ler adequadamente um texto irá de 55% para 77% se as escolas fecharem por 13 meses. Exagero? Não creio.
Há muitas questões aí. A primeira e mais inconveniente é sobre a real utilidade das medidas de fechamento. Estudo da Universidade de Zurique não mostrou alteração do ritmo da pandemia em 131 municípios paulistas que reabriram as escolas.
Guilherme Lichand, coordenador da pesquisa, sugere que “é difícil para a população de menor renda ficar em casa”, e que “o ganho marginal de fechar escolas não supera o alto custo de deixar as crianças sem aulas”.
Há muitos estudos nesta direção. O Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças apresentou uma ampla revisão de dados, concluindo que as escolas devem fechar apenas em última instância e que “o impacto negativo sobre a saúde física, mental e educacional das crianças, e o impacto econômico na sociedade, provavelmente superaria os benefícios”.
O tema é difícil e é compreensível o receio dos professores. A reabertura, de todo modo, precisa ser feita com prudência, e a vacinação de professores deveria ser prioritária.
Outro resultado da crise será o aumento da desigualdade. O estudo do Banco Mundial diz que irá para quase três anos letivos a diferença de aprendizagem entre os alunos de menor e maior renda. No Brasil, essa cisão equivale basicamente aos alunos que frequentam as redes públicas e privadas de ensino.
Surge aí a pergunta: o que houve com o setor público? O argumento mais cruel que escuto por aí sugere que o problema são os próprios alunos. Dado que boa parte não possui um computador e boa internet, não haveria muito o que fazer. É um argumento confortável, que toma um dado óbvio da realidade brasileira e o transforma numa bela desculpa para nossa inércia.
É evidente que a condição econômica pesa, e é exatamente para isto que existe o Estado. Para dar conta dessas carências e garantir o acesso ao ensino. Se não souber fazer isto, é preciso reconhecer e mudar a nossa maneira de gerir a educação.
Daria para fazer diferente? O Peru, logo no início da pandemia, fez uma compra maciça de equipamentos para os alunos vulneráveis. No Brasil isto custaria R$ 3,9 bilhões, segundo dado do Ipea, percentual ínfimo do que foi gasto com a pandemia. Não fizemos, não nos antecipamos, não compramos, e agora não passa de desculpa fácil dizer que o problema é a condição social dos alunos.
O que falta ao sistema é agilidade e senso de urgência. Na tomada de decisão, na compra de equipamentos, no treinamento dos professores para adaptação ao ensino remoto, para oferecer aulas híbridas, com uma parte dos alunos em casa, outra na escola. Tudo que o setor privado fez não por generosidade, mas pelo risco dos pais irem bater na porta da escola concorrente.
A conta, como de hábito, será paga pelos alunos e famílias que não têm outra porta para bater, que dependem do monopólio do Estado, e sequer têm poder para fazer pressão no sistema político.
Meu colega Naercio Menezes sugeriu uma medida audaciosa: colocar os alunos para cursarem dois anos em um. Dobrar o uso das escolas, se for preciso, de modo a recuperar o máximo do prejuízo educacional. “Acho possível fazer”, diz ele, “mas conhecendo o Brasil, acho difícil que aconteça”.
Também acho. Mas se ao menos pudermos aprender um pouco com este “striptease” feito pelo nosso sistema educacional, já será alguma coisa.
*Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.