Dodge defende a categoria como uma líder sindical o faria
“A Constituição é um documento vivo, em constante processo de significação e ressignificação, cujo conteúdo se concretiza a partir das valorações atribuídas pela cultura política a que ela pretende ser responsiva. Por sua vez, tais valorações são mutáveis, consoante as circunstâncias políticas, sociais e econômicas, o que repercute diretamente no modo como o juiz traduz os conflitos do plano prático para o plano jurídico, e vice-versa.”
Por meio deste raciocínio tortuoso, o ministro Luiz Fux justificou a suspensão da liminar concedida quatro anos atrás, que, como todos sabem, garantia o pagamento do auxílio-moradia a juízes e promotores de todo o Brasil. Todos sabem também que a decisão do ministro fez parte da negociação que garantiu o aumento salarial da categoria obtido na semana passada. Ou seja, o ato monocrático do ministro Fux nada mais foi que o jeitinho encontrado para que os membros da corporação pudessem engordar seus contracheques. Com a manobra, obtiveram aumento salarial sem o necessário respaldo da lei. Todos, mesmo os mais jacobinos e moralistas, participaram da jogada e receberam o seu.
O despacho do ministro é de uma desfaçatez assustadora. Em última análise, Fux sustenta que juízes têm o direito de interpretar a Constituição para atender às suas necessidades práticas. Assim pensa (e pauta suas decisões) um dos 11 juristas cujo papel institucional é agir como o guardião da Constituição. Por vezes, não há como fugir do chavão: e quem nos guardará dos guardiões?
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“Sem adentrar propriamente no mérito, na legalidade ou na constitucionalidade do recebimento de auxílio-moradia, fato é que esta ação restringe-se ao pagamento ou não do benefício em causa para os juízes, nos termos da legislação que rege a magistratura judicial brasileira, limitando-se o julgado àquelas carreiras.”
Este foi o despacho da procuradora-geral da República visando assegurar que os promotores não percam o direito a receber o penduricalho tão arduamente conquistado. Dodge, portanto, atua na defesa dos direitos da categoria que lidera, como uma líder sindical o faria. Mais do que isto, ao se furtar de discutir a legalidade da medida – o que em si só parece indício de que a medida carece de amparo legal -, Dodge escancara que o formalismo é um recurso meramente protelatório. Quando se trata de encher os bolsos da categoria, vale tudo.
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“A corrupção mata. Mata na fila do SUS. Mata na falta de leite. Mata na falta de medicamentos. Mata nas estradas, que não têm manutenção adequada. A corrupção destrói vidas, que não são educadas adequadamente, na ausência de escolas, deficiências de estruturas e falta de equipamento.” Com estas palavras, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu a manutenção da suspensão do indulto de natal concedido pelo presidente Temer no ano passado.
É indiscutível que a corrupção desvia dinheiro de destinações mais nobres e eficientes. Isto está fora de questão. Contudo, isto não significa que, controlada a corrupção, desaparecerão as filas do SUS, todas as estradas terão manutenção adequada e que todas as crianças serão educadas em escolas bem aparelhadas.
Recursos são escassos e, se a corrupção for eliminada, continuarão a ser. Salários dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público saem da mesma fonte que paga médicos, repara estradas e custeia a educação. Assim, recorrendo à retórica de que se valeu o ministro, seria possível dizer que penduricalhos garantidos pela interpretação que dá vida ao texto constitucional aumentam as filas do SUS e tiram recursos da educação.
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“Quem é Osmar Terra comparado ao Magno Malta?” A pergunta feita pelo deputado Silas Malafaia procede. Pela vontade de Bolsonaro, Malta seria seu companheiro de chapa e só não ocupou o posto em razão das maquinações de Valdemar Costa Neto.
Bolsonaro continua firme na sua disposição de fugir ao toma-lá-dá-cá das indicações partidárias, privilegiando a competência e a lealdade dos selecionados. Os critérios, contudo, não têm se mostrado suficientes para aplacar conflitos, para decidir se Terra ou Malta é mais preparado para o cargo. Como declarou o presidente, há escassez de cargos e excesso de amigos leais a premiar.
Mas nem todos ficarão no sereno. Com a criação de Secretarias Especiais de Articulação Política, o governo visa assegurar colocação para aliados punidos pelas urnas. Serão duas secretarias especiais, comandadas por Carlos Manato e Leonardo Quintão, cada uma delas com o direito a empregar dez deputados não reeleitos. Pelo que foi noticiado, caberá a estes parlamentares a tarefa de organizar a base de apoio do presidente e garantir a aprovação da reforma da Previdência.
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“Essa que está aí não está sendo justa, no meu entender. Não podemos querer salvar o Brasil matando o idoso.” Esta é a opinião de Jair Bolsonaro sobre a reforma da Previdência enviada por Michel Temer ao Congresso. Como é de seu feitio, o presidente eleito saiu pela tangente, quando perguntado sobre detalhes da proposta que defende.
Marcos Cintra, nomeado secretário da Previdência e da Receita Federal, tampouco tem detalhes a oferecer. Em entrevista à “Folha de S. Paulo”, declarou que “evidentemente, ainda não houve discussão em detalhes com o Paulo Guedes, nem com o próprio presidente. O presidente tem emitido sinais que não quer uma reforma previdenciária que gere grandes descontinuidades ou grandes tumultos, quer uma coisa menos acelerada e disruptiva. Então, o que vamos fazer é construir isso e apresentar para o debate.”
Em outras palavras, a equipe de transição sequer começou a atacar a questão e, quando o fizer, não será fácil atender as demandas do presidente. O fato é que, fosse outra a disposição dos agentes econômicos, as duas declarações teriam derrubado o índice Bovespa.
*Fernando Limongi é professor do DCP/USP, da EESP-FGV e pesquisador do Cebrap.