Um enredo conhecido que já se repetiu vezes sem conta
O dia da família, 8 de dezembro, não foi comemorado pelos Bolsonaro. A efeméride não gerou as esperadas mensagens na rede social, talvez porque os negócios da família, suas amizades e dívidas, tenham ocupado o noticiário. Cheques depositados na conta da futura primeira dama precisaram ser explicados e, como de costume, contabilizados como dívidas pessoais de um velho amigo que se perdeu pelo caminho.
Não é de hoje que os negócios dos amigos e dos familiares são fontes de embaraço para políticos. O enredo é conhecido e se repetiu vezes sem conta.As iniciativas do filho de Lula que ocuparam o noticiário durante a semana estão aí para comprovar. Há sempre um empresário a postos para bancar a aventura em troca das oportunidades que a proximidade com o poder gera.
Magno Malta, o puxador oficial das preces presidenciais, não chegou a ministro porque, para usar a expressão cunhada por Jacques Wagner, começou a se lambuzar com as sinecuras do poder antes mesmo de ocupar o cargo. A generosidade do empresário Eraí Maggi para com Malta, cedendo aeronaves para facilitar deslocamentos do candidato, não foi interpretada como um ato de comprometimento com a defesa da família, da pátria e dos bons costumes. A dupla Malta e Eraí já dava como certo até que emplacariam Adilton Sachetti no Ministério da Agricultura. Malta não resistiu ao escrutínio dos lotados na equipe de transição. Aparentemente, outros tantos aliados de primeira hora não obtiveram o aval da equipe por razões similares. Eraí Maggi, com certeza, não foi o único a investir recursos para usufruir da intimidade do novo núcleo do poder.
Obviamente, políticos e membros da ‘entourage’ presidencial não se distinguem dos lotados nos demais poderes. Não por acaso, o Conselho Nacional de Praticagem (CONAPRA) se lembrou de incluir os Ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio entre os convidados a participar do seminário que promoveu em Búzios, no Ferradura Resort. Entre os palestrantes, destacou-se Rodrigo Fux, filho do ministro Luiz Fux, que representa a CONAPRA em causa a ser julgada pelo Supremo Tribunal de Justiça. Ao explicar o papel do prático, o Ministro Marco Aurélio evidenciou porque sua presença era imprescindível: “É um verdadeiro comandante. Ele assume o navio para a entrada no porto. Ele que conhece os aspectos alusivos ao porto, inclusive os canais existentes.”
Flávio Bolsonaro, entrevistado pela GloboNews na última terça-feira, comportou-se como um experimentado comandante-prático e expôs com desenvoltura e serenidade os projetos do novo governo. Um desavisado poderia pensar que o senador eleito decidira se filiar à Rede, tantas foram as referências à morte da velha política e à aurora de uma nova era, sob a liderança de Jair. “A forma de fazer política mudou”, decretou.
Didático, associou todos os problemas do governo passados à distribuição de pastas ministeriais a partidos: “Se você tem um governo que não tem o loteamento em base de partidos… e isso significa o quê? Que todos os ministérios podem se comunicar, sem se preocupar se está [sic] invadindo o terreno eleitoral de um ou de outro. Um parlamentar que seja de um partido, PX, pode procurar qualquer ministro para levar demandas legítimas para seu estado, para aquele segmento que ele representa, sem se preocupar ‘Bom, eu sou do PX, então partido que está no Ministério tal é do PY, então eu não vou ter acesso, não!’ Vai ter acesso!”
Eraí Maggi e a CONAPRA sabem que as coisas não são assim tão simples, a começar pelo fato de que recursos são escassos e, portanto, insuficientes para atender todas as demandas. Eraí e a CONAPRA sabem também que a distinção entre os pleitos legítimos e ilegítimos não é uma operação simples e objetiva. Os pleitos dos amigos acabam sendo vistos com mais simpatia que os dos mais distantes, isto sem falar nos apresentados pelos inimigos. Por exemplo, na sua exposição, Flávio Bolsonaro deixou claro que acredita que as demandas apresentadas pelo PT serão rotuladas como ilegítimas.
Paulo Marinho, suplente de Flávio de Bolsonaro no senado, sabe como ninguém a importância das conexões políticas para os negócios. Segundo a Revista Crusoé, o empresário sempre esteve “perto de onde há poder e dinheiro” e, em tom de denúncia, alerta que “já foi próximo até dos petistas.”
O faro político do empresário o levou a apostar suas fichas na candidatura dos Bolsonaro, franqueando sua casa para gravações e reuniões políticas, durante e depois da eleição. Nesta aproximação, valeu-se da amizade de Gustavo Bebianno, velho conhecido dos tempos em que trabalhou no escritório Sérgio Bermudes. O advogado é outro bom amigo de Paulo Marinho, na casa de quem se casou, em cerimônia celebrada por ninguém menos que Luiz Fux.
Em razão da sua extensa biografia, Marinho é cotado como o candidato mais forte e natural ao posto de lobista geral do novo governo. Pelas mesmas razões, é visto como fonte segura de problemas futuros para a família Bolsonaro. A amizade pede reciprocidade.
Os problemas, contudo, chegaram bem antes do esperado e vieram do núcleo familiar do próprio presidente. Os amigos íntimos e de velha data não são tão fáceis de descartar, sobretudo quando trazem consigo marcas indeléveis, como fotos, cheques e a alocação de parentes em gabinetes. As movimentações financeiras de Fabrício de Queiroz, assim como o trânsito das filhas dos motoristas pelos gabinetes de Jair, Flávio e Cláudio mostram que o clã Bolsonaro reza pelo velho e tradicional evangelho da política brasileira.
Onyx Lorenzoni, outro que se viu enredado por práticas políticas que Bolsonaro diz ter vindo para enterrar, socorreu-se de um esquema infantil para traçar a rota de fuga: “Não dá para querer achar que [o governo] é igual ao do PT. Não é, nunca vai ser e os homens e mulheres que estão aqui são do bem. A turma do mal está do lado de lá.”
*Fernando Limongi é professor do DCP/USP, da EESP-FGV e pesquisador do Cebrap.