Por uma fatalidade os dias vindouros serão de máximo perigo. Confiemos, agindo
Quase ao chegar ao fim do ano em curso, as agonias aumentaram. Na economia o País se arrasta numa recessão há já algum tempo, que foi agravada pela pandemia causada pelo novo coronavírus. Tudo, naturalmente, aumentado pela desconfiança no governo federal: faltam a ele as qualidades necessárias não só para agir com rapidez, mas mesmo para agir. Não vou relembrar, por ocioso, mas a “gripezinha” virou morte para milhares de pessoas. O descaso chegou a tanto que na área da Saúde os ministros se sucedem e os erros não cessam: falta muita coisa, mas chama a atenção a imprevisibilidade, o desconhecimento é substituído por palpites em grande quantidade.
No auge da pandemia, quando liderança, informação verídica e respeito à ciência salvam vidas, o governo federal persiste no negacionismo, na politização e no desprezo ao conhecimento. Isso, que já seria grave em tempos normais, chega às raias do absurdo diante da ameaça que pesa sobre o nosso país.
Agora mesmo, como se não houvesse urgência, há gente na sociedade pondo em dúvida a eficácia das vacinas em geral. Isso num país como o nosso, de amplíssima tradição na matéria. Os dias tristes das revoltas “contra as vacinas”, no caso a da varíola e a da febre amarela, que marcaram um tento de Oswaldo Cruz, podem até virar o feitiço contra o feiticeiro. A revolta agora é contra a demora das vacinas, quando, na verdade, nunca se viu esforço tão rápido para encontrar alguma que contenha a ação negativa do referido vírus.
Mas existe também a descrença nelas. É certo que, por enquanto, da parte de um grupo que se deixa levar pelo que deduz serem as promessas de vacinas com falta de cautela das autoridades.
Ainda bem que a mídia, em geral, procura mostrar o contrário e ressaltar que, enquanto a vacina não chegar, cada um de nós é responsável por atuar: que fiquemos em casa é o refrão.
Refrão correto. Mas o que fazer quando não se tem casa confortável, ou quando as pessoas vivem amontoadas tanto em sua casa como com os vizinhos, como se vê em muitas favelas, casas de cômodos e nos cortiços, que abrigam boa parte da população brasileira? É para essas pessoas, a maioria da população, que o governo precisa olhar em primeiro lugar. E são essas as vítimas preferenciais do novo coronavírus (sobretudo os mais velhos, para os quais o “bichinho” parece ser impiedoso).
Sabemos que no início os mais atingidos eram os que viajavam, que não fazem parte da maioria pobre. Pouco a pouco, porém, a epidemia foi se alastrando e alcança, é verdade que sem exclusividade, os que menos têm posses e são abrigados pelo Serviço Único de Saúde (bendito SUS!).
Daí a enorme responsabilidade dos governos. No plano estadual, alguns se têm saído bem. Não se poderia dizer o mesmo, com simplicidade, sobre o governo federal, pelo menos quando são ouvidas as palavras proferidas por seu maior representante, o presidente. Compreendo que ele não queira ver tudo pelo vitral do pessimismo, mas que veja com algum realismo as coisas sob seu comando, pois elas têm efeito sobre muita gente. É o que se espera de qualquer governo razoável.
Há esperanças, a despeito de tudo. Elas se concentram no fato de que a população é, no geral, receptiva às palavras sensatas (as eleições municipais recém-havidas mostram isso). Por isso mesmo, quanto mais houver reforço na palavra dos que entendem – os médicos e cientistas –, melhor. O que choca é ouvir notas dissonantes vindas de quem deveria ser politicamente responsável.
Entendo as aflições e urgências, afinal completarei 90 anos em alguns meses. Há pressa. Mas que fazer? Não há medicamento específico para o vírus e a vacina (qualquer delas) ainda não está disponível, embora esteja cada vez mais próxima. Por isso mesmo é preciso, pelo menos, que as autoridades não aumentem a algazarra dos que pouco sabem e que, ao falar, meçam o peso de suas palavras. Não é compreensível que países com menos recursos estejam mais perto de ter acesso a uma vacina do que nós.
Sei que para muitos (até mesmo empresas, não só pessoas) é impossível parar. Mas mesmo neste caso que sejam seguidas as prevenções que vêm dos que mais sabem da saúde pública. E que os governos, se não puderem ou quiserem ajudar, não atrapalhem.
Ultrapassaremos estes dias agônicos, sou confiante. Sei que quanto mais depressa chegarem as vacinas, melhor. E enquanto isso que cada um cumpra o seu dever, como disse famoso almirante em momento no qual a guerra era dificultosa para os brasileiros. O momento é duro; confiemos, agindo. E se nada de construtivo pudermos fazer ou dizer, que não atrapalhemos os que sabem e os que estão dando o melhor de si para manterem vivos a si próprios e quem eles tratam.
Estamos a 20 dias do Natal, momento de alegria, fraternidade e renovação. Por uma fatalidade, os dias vindouros serão de máximo perigo. O que se passa nos Estados Unidos já nos deveria bastar como alerta. Uma pandemia fora de controle, com uma previsão assustadora de pico para janeiro de 2021.
*Sociólogo, foi presidente da República