Não basta ser contra a mineração nas terras indígenas, é necessário apresentar uma visão estratégica para a Amazônia
Não foi uma boa para mim lá embaixo, pensava eu quando o carro alcançava a Rodovia Reginaldo Rossi, saindo de Porto de Galinhas para Recife. O trabalho duro transcorreu bem. Mas as notícias pareciam me espancar. A mais importante delas, a decisão do Supremo de acabar com a prisão para condenados em segunda instância.
Já escrevi muito sobre isso. Sabia que esse seria o resultado. Achei até que Toffoli se esforçou no jogo de cena para buscar uma atenuante. Mas era a pura e simples queda da prisão em segunda instância que estava em jogo. Com essa decisão e também com o bloqueio de investigações sobre atividades financeiras, demos um passo atrás, depois de tanta esperança popular no combate à corrupção.
Que sentido tem argumentar de novo? Agora é esperar as consequências, não apenas na inquietação popular, mas também na vida política em geral. Não voltamos à estaca zero. Mas foi uma guinada que interessa àqueles que ainda esperam enriquecer com dinheiro público.
Como se não bastasse, a grande pancada, Bolsonaro atingiu três vezes minhas convicções, isso num prazo de 24 horas. No campo da cultura, promoveu um diretor de teatro que ofendeu Fernanda Montenegro. O governo não reconhece os grandes talentos nacionais porque está envenenado pela luta ideológica.
Bolsonaro decidiu ainda que vai mandar um projeto de mineração nas terras indígenas. Compreendo que os militares veem uma vantagem estratégica na exploração de minério na Amazônia. Tenho uma visão estratégica diferente; além do mais, venho de Minas. Aprendemos a dizer: olhem abem as montanhas. Não só no sentido de cuidar delas. Mas de olhar mesmo porque elas desapareceram.
Segundo a Constituição, será preciso uma lei complementar para autorizar esse passo. Romero Jucá tentou muito. E não conseguiu ao longo dos anos em que tive a oportunidade, entre outros, de combater essa ideia.
Não contente, Bolsonaro revogou um decreto que proibia o avanço da plantação de cana-de-açúcar no Pantanal. Um dos grandes defensores dessa ideia foi o governador André Puccinelli, que ameaçou inclusive Carlos Minc, na época ministro do Meio Ambiente. Puccinelli foi preso por corrupção e deixou a cena.
Romero Jucá não foi preso nem deixou totalmente a cena política. Perdeu a eleição e foi várias vezes citado na Lava-Jato. De qualquer forma, a luta desses dois políticos do PMDB é hoje recompensada pela visão de Bolsonaro. Não se trata, como se vê, de um problema partidário.
São duas grandes questões que precisam ser respondidas com argumentos adequados. Quero dizer: não basta ser contra a mineração nas terras indígenas, mas é necessário também apresentar uma visão estratégica para a Amazônia que seja mais interessante e moderna do que a velha expectativa de enriquecer com o minério, quando outras fontes de riqueza da produção do conhecimento e a indústria do turismo devem ser levadas em conta.
O Pantanal já teve canaviais no século XIX. Havia indústrias e quase 200 quilômetros de plantação.
O Pantanal não acabou.
Acontece que estamos no século XXI, e o Pantanal não é mais o mesmo. Tornou-se mais vulnerável com os grandes incêndios, explorou suas belezas naturais e sua fauna, tornando-se um polo turístico nacional. Assim como a mineração nas terras indígenas, o crescimento de canaviais no Pantanal não aparece hoje num contexto de falta de alternativas econômicas.
Pelo que conheço do Congresso, não foi até hoje, nem será simples agora, aprovar a mineração nas terras indígenas. É bandeira de Bolsonaro? É. Mas significa de fato a aspiração da maioria dos brasileiros ou a bandeira ficou meio dobrada diante de outras mais sedutoras eleitoralmente?
Combater a proposta de Bolsonaro não significa nem combater as ideias da maioria. É combater uma visão minoritária sobre a Amazônia.
Numa semana em que se apanha na Justiça, na cultura, nas propostas antiecológicas de Bolsonaro, felizmente, como todos, segui trabalhando. Idas e vindas na Rodovia Reginaldo Rossi. Ele tentou ser vereador e perdeu. As derrotas nem sempre derrubam. Costumam dar um samba-canção ou um bolero.