Os pobres continuarão presos. O STF não se lembra deles, exceto em episódicas campanhas de mutirão
Prometi a mim mesmo que não faria, esta semana, mais um artigo defendendo prisão em segunda instância. Não são nossos argumentos que pesam.
Os ministros do STF já estão decididos. Tudo o que podem fazer é ampliar o prazo do anúncio da decisão. Usar de novo a tática do bode na sala. Anunciam ou indicam uma decisão arrasadora para uma semana e guardam sete dias mais para apresentar algumas atenuantes. Esperam com isso reduzir o desgaste de sua imagem, que não é pequeno.
Durante muito tempo, acalentaram essa decisão. Esperaram cuidadosamente o momento ideal. Ganharam a simpatia agradecida de Bolsonaro pelo gesto de proteção ao filho, encalacrado no Rio. Foi um gesto tão amplo que paralisou, por tabela, um grande número de investigações baseadas em operações financeiras.
Observaram o desgaste de Moro. De vez em quando, deram um empurrão com frases indiretas ou mesmo o discurso desqualificador de Gilmar Mendes. O otimismo que alguns tiveram com as eleições não se justificou. Nem governo nem Congresso decidiram enfrentar a corrupção de frente.
Está tudo começando, diziam alguns. Estão sendo sabotados, acreditavam outros. A qualquer momento as coisas podem mudar, concluíam.
Não mudam fácil no Brasil. Um dos dramas que nos perseguem é este: ser governado por ladrões ou ditadores. Nos momentos históricos piores, as duas características se concentram num só governo.
Mas existem alguns fatores que podem libertar dessa inevitabilidade. Um deles é a inter-relação cada vez mais estreita do Brasil com o mundo.
A volta da tolerância com a rapina pode nos trazer inúmeras dificuldades. Entrar na OCDE, por exemplo, vai para o espaço. Atrair investidores sérios também será problemático, pois, certamente, o esquema de propinas vai ser restabelecido.
Os juízes dizem que não. A esquerda limita-se a afirmar que isso não tem importância: a corrupção é uma nota de pé de página na brilhante história que pretende escrever.
Um outro fator é o nível de informação da sociedade, num período de revolução tecnológica. Nunca se falou tanto de política e, com todas as distorções, as pessoas hoje têm mais consciência do que se passa, conhecem mais a realidade.
Um dos argumentos que usam contra a decisão dos ministros não me emociona: o de que milhares de presos serão libertados.
Desde quando o país mudaria com uma simples decisão de 11 ministros? As prisões estão abarrotadas, e muitas pessoas nem foram julgadas, quanto mais em segunda instância.
O fim da prisão em segunda instância tem um alvo inequívoco: os políticos envolvidos na Lava-Jato e outras operações. Os pobres continuarão presos. O Supremo não se lembra deles, exceto em episódicas campanhas de mutirão. O que os interessa mesmo é julgar e absolver os iguais.
Viveremos, segundo eles, num estado de direito perfeito. Os advogados vão celebrar, os partidos vão celebrar, mas todos sabemos que esse estado de direito concebido por eles apenas autoriza o saque aos recursos nacionais, sem nenhum perigo de cadeia.
Há duas perspectivas para os grandes ladrões: empurrar o processo até a prescrição ou levar para o túmulo o risco de ser preso. As consequências de decisões como essa trazem um profundo descrédito na democracia. E aí reside o perigo maior. Esgotadas as formas legais de combate, sobretudo as desenvolvidas pela Lava-Jato, a memória de muitos se volta para os militares.
Os próprios militares, indiretamente, dão sinais de descontentamento com a volta da impunidade. Mas eles também se comprometeram com o governo Bolsonaro. E sem examinar algumas evidências. Bolsonaro não combateu a corrupção de frente no seu período de deputado. Ele era do PP, apoiou o Severino Cavalcanti.
Mesmo se Bolsonaro fosse de fato decidido nesse campo, dificilmente teria competência para enfrentar STF, Congresso, partidos, parte da burocracia estatal, grandes advogados.
Ele encontrou a coexistência pacífica com as diferentes dimensões do poder. Aliás, os militares sempre foram contra a corrupção de esquerda. Na hora H, abraçavam os seus aliados, como foi o caso de Maluf na eleição indireta para a Presidência da República.
O buraco é mais embaixo. Nenhuma força política isolada conseguirá desatar o nó da impunidade. É tarefa de longo alcance.