Creio que chegamos a um ponto em que não adianta matar ninguém para deter a operação
A morte de Teori Zavascki aconteceu de uma forma que aciona dúvida do tipo que existe desde o Descobrimento: intencional ou por acaso? Como isso se resolve ao cabo de uma rigorosa investigação, o foco, a meu ver, é o destino da Operação Lava Jato. Ela deve prosseguir com o mínimo de atraso possível.
A delação da Odebrecht abalou a vida política de muitos países latinos. Em alguns deles já houve não só prisões, como também a decisão de expulsar a empresa.
Sou moderadamente otimista quanto ao futuro da Lava Jato. Homologar a delação não é complicado: apenas confirmar se os delatores falaram sem pressão e avaliar a redução das penas. Felizmente, a decisão de prosseguir os trabalhos com a equipe de Teori e a possibilidade de Cármen Lúcia, ela mesma, homologar resolvem o problema imediato.
Em outro plano está a escolha do novo relator. Tenho lido inúmeras possibilidades e a que mais temo é um sorteio como se todos estivessem no mesmo plano. Seria um pouco como levar a Lava Jato a uma decisão por pênaltis, em que tudo pode acontecer.
Francamente, grande parte das pessoas que foram às ruas acha que Lewandowski e Dias Toffoli, caso escolhidos, soltariam todo mundo e ainda mandariam prender quem acusou.
O caminho ideal seria um processo de negociação no qual o Supremo encontre um nome que se aproxime das posições de Teori e tenha credibilidade quanto à sua isenção. Esse é o caminho ideal, mas com base na realidade. A ideia do sorteio seria uma realidade baseada na ilusão de que todos, igualmente, apoiam a Lava Jato.
A terceira dimensão do problema: a substituição de Teori. O novo ministro terá de passar por uma sabatina no Senado: precisa mostrar firmeza diante de um Congresso que vê a Lava Jato como um perigo. Na tentativa de sabotá-la, o Congresso só produziu trapalhadas noturnas.
A Lava Jato tornou-se, sobretudo por causa da delação da Odebrecht, uma esperança continental de punir os políticos corruptos e desmontar seus vínculos com as empreiteiras. Pelo que ouço e vejo nos outros países, era algo de que sempre suspeitavam. Alguns jornalistas e mesmo procuradores já até haviam denunciado. Mas com a Lava Jato as coisas chegam na forma de provas, delações premiadas, agora, sim, é possível jogar areia na engrenagem.
Essa possibilidade animadora é uma contribuição da Lava Jato, que, por sua vez, está ligada à imagem do próprio Brasil. A exportação dessa esperança foi a melhor mensagem que o País enviou para o continente, num período em que tantas desgraças acontecem aqui, das decapitações à febre amarela.
Foi por acaso, pode-se argumentar. Aí voltaríamos às origens com a mesma pergunta do Descobrimento.
Por acaso ou intencional, a Lava Jato trouxe para o Brasil respeito em outros países. Às vezes esse respeito, como entre os empresários reunidos em Davos, é acompanhado de preocupação: a Lava Jato está sendo boa ou não para o mercado?
A criação de uma atmosfera de negócios com menos corrupção, mais segurança jurídica, em médio e a longo prazos, é uma grande vantagem que as pessoas com visão muito imediata nem sempre compreendem. Para muita gente, atrasar ou até melar a Lava Jato é um sonho de consumo. No entanto, a maioria do País considera o processo saudável e irreversível.
Duas razões me fazem duvidar da tese de atentado, no caso de Teori. Uma é a situação climática e as condições geográficas do aeroporto de Parati e, de certa maneira, também os de Angra dos Reis e Ubatuba. A outra é o próprio avanço da operação. Ela pode ser retardada, mas dificilmente neutralizada, como foram tantas outras no Brasil.
Não creio que os interessados em bloquear o processo ousem enfrentar o País de cara aberta. Estão sujeitos não só à prisão, porque muitos são investigados, mas também a um lugar vergonhoso na história.
Exceto o PT nos seus tempos de governo, são raros os que ousam defender a corrupção em nome de um ideal superior. Mesmo o Renan Calheiros, que gostaria de liquidar a Operação Lava Jato, publicamente a considera “sagrada”.
Posso parecer ingênuo. Mas procuro estar atento a todas as possibilidades num país com grande riqueza de expedientes sospechosos.
Quando Gilmar Mendes, num discurso no Congresso, praticamente ignorou a importância da Lava Jato, não deixei de criticar. Considero-o um juiz capaz e bem formado. No entanto, ignorar a maior operação de todos os tempos, com a mais ampla delação premiada, o maior volume de retorno do dinheiro roubado, mais influência positiva na vida dos outros países do continente, pareceu-me um movimento estranho.
E, mais ainda, ignorar que a lei de abuso de autoridade seria votada por um Congresso que tem um recorde histórico em número de investigados também é muito esquisito. No entanto, seu confronto com procuradores pode ter incluído um elemento de paixão, o que elimina as piores suspeitas.
A Lava Jato definiu um campo claro, pelo qual vale a pena lutar, sobretudo para quem não pretende deixar o Brasil.
A definição de um campo não significa maniqueísmo. Críticas à Lava Jato, aspiração por uma lei de abuso de autoridade, tudo isso pode acontecer e, às vezes, acontece entre pessoas que desejam um País melhor. No entanto, aquela conversa telefônica do Romero Jucá com o Sérgio Machado, na qual falavam em estancar a operação, com a ajuda do Temer, talvez não fosse repetida hoje. Tanto Jucá como Machado devem ter percebido que os inimigos da Lava Jato perderam o timing.
Ingênuo ou mesmo otimista, sigo acreditando que, apesar das desgraças que nos envolvem, será possível melhorar a atmosfera política a partir do legado da Lava Jato. Minha suposição é de que chegamos a um ponto em que não adianta matar ninguém para deter o processo: ele foi assumido pela Nação, não se mata a esperança nacional com um simples atentado.