Em plena campanha, não sei se estamos realmente escolhendo um presidente ou cavando uma crise para que ele se afunde, como afundaram seus antecessores. O Congresso votou uma bomba fiscal e o STF, um aumento que vai repercutir nas contas públicas. No calor da luta política, os candidatos falam em investir. Mas como, se as despesas da máquina do governo vão aumentar?
Tive de explicar a alguns amigos por que tenho uma relação cordial com Bolsonaro. Não sabiam que o conheço há duas décadas, e convivemos no Congresso durante 16 anos e inúmeras viagens Rio-Brasília. Foram 16 anos de divergência no campo dos costumes sem que se tenha perdido o diálogo.
Da mesma forma, conheço quase todos os outros candidatos. Admiro sua coragem. Nunca estive com o Cabo Daciolo, por exemplo, mas o considero uma versão light do russo Iorudivi, um louco de Deus.
Ele não usa correntes amarradas no corpo, mas tem as mesmas visões de cura. Daciolo afirmou que soube por Deus que a deputada Mara Gabrilli iria andar em breve.
São homens e mulheres que se dedicam a uma tarefa muito difícil. É possível que alguns não saibam o quanto. E que alguns tenham até más intenções.
Considero fundamental que todos possam apresentar suas ideias. Na última eleição entrevistei os que estavam fora do debate, porque não pontuaram o suficiente nas pesquisas.
Certamente o farei de novo, com a tática de sempre: nem cúmplice nem algoz. Tudo o que posso fazer é estender uma corda para que escalem a montanha ou se enforquem.
Quanto mais transparência, pelo menos teoricamente, chega-se mais facilmente a uma boa escolha. É possível dizer que nem sempre foi assim, e nem sempre será. Mas não há outra lógica melhor.
Nunca fui tao moderado, reconheço. Mas uma leitura cautelosa destas eleições mostra esquerda fragmentada, direita em ascensão, crise econômica. Para quem conheceu outros momentos históricos, essa combinação é perigosa.
O sistema político-partidário, do qual participei ao longo de alguns anos, está em frangalhos e só se sustenta movido a muito dinheiro público. Terminou um período de redemocratização que deixa grande número de descrentes na importância da própria democracia.
A primeira preocupação é não jogar fora o bebê com a água de banho. O processo democrático precisa se aprofundar, mas em novas bases.
De um modo geral, somos muito atentos aos golpes de Estado, mas subestimamos as outras formas que ameaçam a democracia através de sua erosão cotidiana. A melhor maneira que me ocorre é buscar algum consenso na análise de conjuntura. A esquerda comprometeu sua influência cultural em vários momentos. O mais grave deles foi a corrupção que atingiu sua credibilidade.
Mas, no meu entender, teve peso também aplicar políticas estatais que mexem com o cotidiano, sem um consenso majoritário, apenas por ter vencido as eleições. Essa suposição de que a minoria iluminada precisa conduzir o país em alguns temas da vida produz muitos ressentimentos.
O próprio Supremo, ao discutir a questão do aborto, corre o risco de decidir pelo Congresso, algo que não acontece em muitos países em que o Parlamento funciona. O argumento contrario é de que as coisas demoram a acontecer sem uma intervenção da vanguarda. No entanto, escolhas feitas por uma elite acumulam resistências que contribuem para movimentos contrários com resultados imprevisíveis.
Não tenho a pretensão de ter o segredo para repactuar o diálogo político no país. A única formula que conheço é tentar suprimir ofensas e se concentrar na troca de ideias.
As ofensas acabam reforçando emocionalmente soluções simples para problemas complexos. Ideias geram dúvidas, suscitam revisões — enfim, são o melhor veículo para sair dessa maré.
Os debates entre candidatos começaram. Ainda há pouco de linguagem egocêntrica, cada um repisando suas teses, sem levar em conta a pergunta. A tarefa agora é levá-los à maior clareza possível não só sobre o que vão fazer, mas como vão fazer e com que dinheiro, nesse pântano fiscal em que nos metemos.
Precisamos escolher alguém para eleger, e não para derrubar no ano seguinte.