Subiu ao poder um novo e caseiro método de desviar dinheiro público
Convivi cordialmente com Chico Rodrigues na Câmara. Assim como convivi com Bolsonaro e o próprio Severino Cavalcanti, inclusive depois de sua derrubada.
Uso pouco a expressão “baixo clero” ou mesmo “vale dos caídos” para designar aquelas fileiras numa zona de sombra no final do plenário.
Aprendi na cadeia, como se não bastassem outras experiências, a conviver sob o mesmo teto com pessoas que não escolhi. E aprendi também que alguns deputados simples e discretos tinham muito a me ensinar, como era o caso do piauiense Mussa Demes, que sabia tudo sobre política fiscal.
Bolsonaro nunca foi genuinamente contra a corrupção. Ele integrava o partido em que Paulo Maluf era um dos expoentes. Sua luta era basicamente contra a esquerda, e a corrupção só se tornou interessante para ele quando a percebeu como o ponto fraco do governo petista.
Chico Rodrigues de uma certa forma sabia disso. Num encontro com Bolsonaro, ele declara que o presidente soube encarnar o espírito do tempo, preencher essa lacuna de liderança, defender a família, dar exemplos para a juventude.
Traduzindo o discurso de Chico, ele estava dizendo para Bolsonaro: “Vamos nessa, irmão, é por aí que devemos seguir”.
O resultado não custou a aparecer. Chico era um grande companheiro. Elogiava Bolsonaro, empregou em seu gabinete o primo e amigo de Carlos e ganhou o cargo de vice-líder.
Quando o condecorou, Bolsonaro teve a preocupação de lembrar que Chico estudou num colégio militar. Ambos sabem que existe uma aura de seriedade em torno dos militares e querem tirar todo o proveito dela.
Bolsonaro e Chico são o novo poder. No passado, havia dólares na cueca; agora, a moeda na roupa íntima é o real.
Não sei se seria correto invocar Freud para explicar tanto dinheiro nas nádegas. De fato, o sábio austríaco associava o dinheiro a pulsões anais, mas o fazia de uma forma sofisticada. Freud tentava explicar relações obscuras, apontar as bases essenciais de relações que as aparências escondiam.
No caso de Chico Rodrigues, o exemplo é grosseiro e, por que não admitir?, até malcheiroso. Não se trata de uma substituição simbólica do dinheiro pelas fezes, mas sim de uma fusão concreta de uma equivalência metafórica.
O resultado é que Bolsonaro ficou com a retaguarda descoberta. Já estava após a prisão de Fabrício Queiroz. Fica cada vez mais evidente que subiu ao poder apenas um novo e caseiro método de desviar dinheiro público.
O episódio acontece uma semana depois que Bolsonaro afirmou que acabara com a Lava-Jato porque não há corrupção no seu governo. Na semana em que André do Rap foge para o Paraguai montado numa lei que Bolsonaro sancionou, apesar de, na campanha política, ter se declarado o único comprometido com a segurança pública.
A lei parte de boas intenções, mas foi elaborada pelos políticos, pensando apenas neles, sobretudo em ter um horizonte temporal de prisão preventiva para não caírem na tentação de delatar seus esquemas.
Disse que o André do Rap está no Paraguai porque é um lugar para refletir sobre o Brasil. Projetamos uma carga negativa sobre o Paraguai; uísque e cigarros falsificados, até os cavalos que disparam na largada e param subitamente chamamos de cavalos paraguaios.
Os deputados fizeram uma lei imprecisa, o presidente sancionou, um ministro do Supremo a aplicou cegamente, juízes deixaram de opinar, e a própria polícia, diante da libertação de um preso importante, não soube monitorar.
Esse episódio em si já bastaria para que se tivesse uma visão crítica do Brasil, a partir do Paraguai, que tanto subestimamos.
O que surgiu depois, para completar a semana, é chocante: um nobre senador, literalmente, enchendo o rabo de dinheiro.
Seria engraçado se o dinheiro não fosse destinado a atender às vítimas da Covid-19 e se este governo metido a sério não estivesse destruindo nossos recursos naturais num ritmo alucinante.
Isso só reforça o que escrevi há algum tempo: não há nada mais importante para todos do que combater Bolsonaro. Não estou propondo amar uns aos outros. Vamos sair dessa, depois conversamos, ou brigamos, se preferirem.