Campanha vai recomeçar em janeiro sem favorito
Em 2 de fevereiro de 2017, Jair Bolsonaro dirigiu-se à tribuna sabendo que não teria a menor chance de se eleger presidente da Câmara dos Deputados. Não demonstrava desânimo, tampouco desconforto com protestos da esquerda. Afinal, não era a primeira vez que se candidatava ao posto e o então deputado pelo PSC fluminense não mirava mesmo a principal cadeira da Casa. Estava lá, isso sim, para executar mais um movimento de sua campanha antecipada à Presidência da República.
Bolsonaro fez questão de marcar posição em relação à mesma agenda legislativa que hoje o leva a tentar influenciar a sucessão do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Naquele dia, era Bolsonaro quem tentava ostentar o discurso de resgate da credibilidade da Câmara. “Todos sabem muito bem que vivemos uma crise nos três Poderes nunca sentida em nosso país”, declarou, talvez menosprezando a capacidade do país de boicotar o próprio futuro. “Sabemos que o Executivo sempre interferiu nos trabalhos desta Casa, em especial por ocasião das eleições. Hoje temos uma Câmara que não cria leis, que não fiscaliza e que não representa os anseios do povo. O Poder Legislativo se apresenta subserviente ao Executivo e submisso ao Judiciário”, prosseguiu, também talvez sem de fato acreditar que anos à frente estaria do outro lado da Praça dos Três Poderes.
O então deputado criticou o que considerava a usurpação das prerrogativas do Legislativo por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que discutiam a legalização das drogas. “O fato é que o Supremo vem legislando constantemente. E ele quer legislar não só sobre essa questão: legislou também sobre a questão ao aborto.” Para ele, a Câmara precisava de um presidente que batesse à porta do chefe do Poder Judiciário para buscar alternativas e dar fim a esse movimento. Ainda hoje aliados de Bolsonaro reclamam do que consideram ativismo judicial, e acreditam que o Congresso pode ajudar a reduzi-lo.
Ao pedir o apoio da bancada da segurança pública, que mais tarde lhe daria suporte na eleição presidencial, Bolsonaro questionou a regulamentação da audiência de custódia pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a discussão, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), do que pode ou não ser considerado crime de desacato. Não faltaram, claro, falas em defesa do projeto de lei que visa revogar o estatuto do desarmamento.
À bancada ruralista, sinalizou com um “ponto final na indústria de demarcação das terras indígenas”. “Não temos que ter um presidente para ficar apenas chancelando e buscando aprovar o que o Executivo quer. A bancada ruralista tem que ter um presidente que tenha esse compromisso com ela”, destacou. “Temos que ter um presidente, na Câmara dos Deputados, que tenha autoridade, posição e altivez, e não que precise ficar de joelhos para esse ou aquele Poder por causa de interesses pessoais.”
Proclamado o resultado, anunciou-se que Bolsonaro conquistara quatro votos. Quatro, ante os 293 de Rodrigo Maia. Porém, por mais paradoxal que possa parecer, os objetivos de Bolsonaro foram atingidos conforme o planejado.
Os dois voltam agora a se enfrentar, quando a pauta de costumes também retorna ao centro das atenções. A agenda econômica corre o risco de ficar definitivamente em segundo plano a partir de 2021. Também por isso Maia vem conseguindo atrair partidos da oposição para o seu campo, embora ainda não tenha conseguido definir quem será o seu candidato.
O atual presidente da Câmara passou os últimos dias conversando com aliados, medindo quem dos pré-candidatos de sua ala tem mais capacidade de reunir votos e evitar defecções. O voto secreto exige cautela, mas o tempo vai passando e dando espaço para que a candidatura do grupo sofra ataques especulativos ou questionamentos das cúpulas partidárias.
Independentemente do nome escolhido, a estratégia já está desenhada: tentar mostrar que de um lado estará o governo e toda as suas exigências em relação à pauta da Câmara, enquanto do outro ficarão os demais partidos que ainda defendem a independência do Poder Legislativo. Esse tipo de campanha é até capaz de garantir uma vitória moral ao grupo que se diz autônomo, seja qual for o resultado da eleição de fevereiro do ano que vem, mas a mensagem ainda precisa se mostrar forte o suficiente para assegurar uma vitória eleitoral ao grupo.
Essa demora também deu espaço para que líderes do Senado tentassem vincular as eleições das duas Casas do Congresso, o que está cada vez mais difícil de ser concretizado. Em primeiro lugar, porque o quadro de fragmentação partidária e o voto secreto dificultam acordos desse tipo. Além disso, diferentemente do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que insistiu na tese de que poderia concorrer à reeleição, Maia trabalhou na ampliação de seu grupo para fazer um sucessor e teria dificuldades políticas para desmobilizá-lo de uma hora para outra.
Por outro lado, sabe-se também que o deputado Arthur Lira (PP-AL), mesmo sendo o preferido do Palácio do Planalto, não deve ter uma postura de alinhamento absoluto em relação ao Executivo.
Como líder do Centrão, ele sinaliza com governabilidade e previsibilidade, mas sua campanha é baseada, por exemplo, no discurso de que a atual gestão da Câmara mantém controle total da pauta e, portanto, é preciso democratizá-la. Outra promessa do pepista é não interferir nos pareceres que chegarem ao plenário.
Quatro anos depois, Bolsonaro opera com muito mais força a partir do Planalto. Tornou-se onipresente nas discussões sobre a sucessão da Câmara e certamente conseguirá reunir mais do que quatro votos. Mesmo assim, ainda não tem certeza de que desta vez seus objetivos serão alcançados. Quanto mais o presidente aparecer na disputa, melhor será para seus adversários.