Setor é essencial no processo decisório governamental
Psiquiatras bolsonaristas certamente contestariam o diagnóstico. Tem-se a impressão, contudo, de que o governo vive um transtorno bipolar. Oscila entre momentos de grande euforia, como nas cada vez mais frequentes manifestações realizadas em frente à rampa do Palácio do Planalto, lances de agressividade e átimos de lamentação e depressão. No afã de se livrar dos problemas, o governo joga aliados para o centro das crises e ataca instituições de Estado.
Foi assim que os serviços de inteligência, sempre prestigiados pelos chefes de governo e também pelo meio militar, passaram a figurar na desconfortável lista de danos colaterais da guerra travada entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Sergio Moro.
A relativização da violência sempre foi uma marca do grupo político que chegou ao poder. Novo é o uso da rampa do Planalto como plataforma de filmagem e acesso do presidente para o congraçamento com manifestantes que atacam os demais Poderes, governadores e prefeitos.
Já as lamúrias das autoridades federais têm como motivação os dissabores provocados por aliados que se transformaram em adversários. Elas também passam pelas adversidades impostas pela pandemia de covid-19 aos planos de uma administração que chega aos 500 dias com a missão de evitar que o país entre na rota de uma prolongada depressão.
Prova documental do embate entre Bolsonaro e Moro, o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril tornou-se um documento histórico que traduz em imagens todo esse comportamento errático da cúpula federal.
O material possivelmente é, como o próprio presidente afirmou, o registro da última reunião do Conselho de Governo da atual gestão. O chefe do Executivo não confia em grande parte de seus auxiliares diretos e decidiu que reunirá um número mais amplo de ministros apenas em confraternizações, cafés da manhã ou outros convescotes, como as próprias manifestações em frente ao Palácio do Planalto. Mas não mais em amplos encontros de trabalho, dos quais não se poderá descobrir quem seria o responsável pelos inevitáveis vazamentos.
Desse último encontro ministerial ampliado e registrado em audiovisual, além do ápice de uma série de desentendimentos entre Moro e Bolsonaro sobre o comando da Polícia Federal, ficará no arquivo da Presidência da República um capítulo de difícil digestão para a comunidade de inteligência.
De acordo com transcrições feitas pela Advocacia-Geral da União (AGU) de determinadas falas, o presidente da República reclamou com veemência por não ter informações da PF e das inteligências das Forças Armadas. Apontou, ainda, “problemas” na Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Generalizou a crítica: “E me desculpe o serviço de informação nosso – todos – é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil”, afirmou Bolsonaro, antes de prosseguir para um trecho do encontro que já virou antológico: “Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade.”
A divulgação da íntegra do vídeo pode esclarecer quais são os problemas realmente apontados pelo presidente – se o objeto da reclamação provocou alguma falha crítica no processo decisório de questões de Estado ou se ele se refere a temas pessoais.
Os órgãos de inteligência são instituições de Estado essenciais à tomada de decisão do presidente da República. Quem encabeça esse esforço é o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, que tem a função de assessorar o chefe do Poder Executivo no desempenho de suas atribuições, sobretudo em relação a assuntos militares e de segurança, como na análise e no acompanhamento de temas com potencial geração de riscos. Outra missão do GSI é ajudar a prevenir crises e articular seu gerenciamento, conforme prevê a legislação que trata do tema, em caso de grave e iminente ameaça à estabilidade institucional.
Ele é também o órgão que coordena as atividades de inteligência federal, as quais têm capilaridade considerável. O Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) é integrado por 42 instituições, incluindo ministérios e agências reguladoras, e conta com o apoio de polícias militares e civis dos Estados.
Em 2019, o objetivo desse setor foi justamente ampliar a integração e a articulação entre os responsáveis pelas áreas de segurança pública, de inteligência e controle aduaneiro. Para 2020, a meta era integrar bases de dados nacionais e internacionais de inteligência, o que incluiria o geoprocessamento de informações estratégicas e a formação dos chamados subsistemas de inteligência em órgãos da administração pública federal e em unidades da federação.
Isso não quer dizer, entretanto, que deve ser considerado natural um presidente da República tentar ter acesso a todo e qualquer relatório de inteligência produzido nesse ecossistema.
Outra prioridade para a área este ano seria a elaboração de um Plano Nacional de Segurança das Infraestruturas Críticas (PLNSIC), o qual poderia contemplar na área de saúde, se seguisse referências internacionais, a previsão de serviços essenciais para o combate de epidemias e para a preservação de vidas em situações como as enfrentadas hoje no Brasil e em todo o mundo.
No entanto, antes de conseguir executar esse planejamento estratégico, os órgãos de inteligência foram surpreendidos pelo avanço do novo coronavírus.
Sob a coordenação da Casa Civil, eles passaram a integrar o centro de coordenação de operações do comitê de crise instalado para monitorar os impactos da pandemia. O grupo atua em tempo integral supervisionando ações e produzindo conhecimento sobre o tema. O problema é que esse tipo de material não tem ganhado a atenção do seu principal destinatário, conforme se pode depreender das queixas feitas na última reunião ministerial.