Fernando Exman: Risco de politização da emergência sanitária

Governo tenta acelerar mudança do status da covid-19
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Fernando Exman / Valor Econômico

É preciso refletir com prudência se este é o momento adequado para o Brasil flexibilizar o estado de emergência sanitária decretado por causa do coronavírus.

O mesmo debate ocorre em outros países. É verdade, também, que os números sobre contaminações, internações e mortes são bem menores do que os observados num triste passado recente.

A vacinação avançou, e a cada dia mais brasileiros tomam a dose de reforço. Alguns municípios se preparam, inclusive, para aplicar a quarta dose na população mais idosa. Uma notícia positiva, diante do fato de que os casos graves e fatais têm se concentrado entre os pacientes com idades mais avançadas.

Existe, contudo, um componente político que não pode ser desprezado. A ideia do governo federal é adotar essa medida até o dia 31 de março, antevéspera do prazo de desincompatibilização dos ministros que irão disputar algum cargo eletivo em outubro. Parece haver pressa.

Está prevista para os próximos dias uma intensa agenda de atos públicos no Palácio do Planalto. Tudo planejado para que os ministros que deixarão o governo possam participar de cada uma das solenidades.

Todas as pastas estão sendo instadas a acelerar as entregas, inclusive aquelas comandadas por quem está disposto a permanecer com o presidente Jair Bolsonaro até o fim deste mandato. O clima é de campanha eleitoral.

Além disso, como o prazo fixado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a desincompatibilização é 2 de abril, todo mundo no governo está correndo para fazer seus atos públicos até 31 de março, uma quinta-feira. Dia 2 é sábado e deixar para divulgar algo polêmico no 1º de abril, dia da mentira, seria facilitar demais a vida da oposição.

Em relação ao Ministério da Saúde, o que se vislumbra é algum anúncio que possa servir de contraponto às denúncias apuradas pela CPI da Covid e às incontáveis críticas de especialistas e eleitores à estratégia do Executivo para gerir a crise sanitária. Tarefa difícil – integrantes do governo e aliados sabem que a maioria da população reprova o desempenho de Bolsonaro nesta área.

Mas, isso não quer dizer que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, irá deixar o governo.

Já se cogitou que ele pudesse compor o palanque de Bolsonaro na Paraíba como candidato ao Senado ou ao governo estadual. Neste caso, seria natural que ele quisesse incluir em uma eventual campanha o discurso segundo o qual desempenhou papel fundamental no combate à mais grave moléstia desde a gripe espanhola.

Mais recentemente, contudo, essa possibilidade passou a ser negada. O cenário local não é muito favorável para o ministro.

Ainda assim, a medida poderia ser usada politicamente pelo governo e aliados. Do ponto de vista simbólico, a flexibilização do estado de emergência sanitária seria algo como rebaixar o status de pandemia da covid-19 para endemia. Ou seja, considerá-la uma doença recorrente, mas para a qual já foi dada uma resposta efetiva – algo que ainda precisa ser chancelado pela comunidade científica e tornar-se palatável tanto no Congresso quanto no Supremo Tribunal Federal (STF).

Queiroga já iniciou articulações nesse sentido, mas tende a enfrentar resistências. Recente boletim da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) destaca, por exemplo, a necessidade de manutenção das medidas de distanciamento social, uso de máscaras e ampliação da cobertura vacinal.

O documento reconhece que a “terceira onda” epidêmica no Brasil está em fase de descenso e há uma tendência de redução dos casos graves de covid-19. Por outro lado, mesmo considerando a melhora de alguns indicadores, o boletim alerta que seria preciso aguardar mais um pouco para avaliar os efeitos das viagens e festas do período do Carnaval. Os efeitos da flexibilização do uso de máscaras em diversas localidades também precisam ser observados.

“Pode-se dizer que o ponto de mudança da covid-19, de pandemia para endemia, que é definido apenas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), será definido a partir de muitos indicadores, e um deles é a letalidade”, sublinha o documento, recomendando cautela na adoção de medidas de flexibilização. “Quando a ocorrência de formas graves que requerem internação for suficientemente pequena para gerar poucos óbitos e não criar pressão sobre o sistema de saúde, saberemos que se trata de uma doença para a qual podemos assumir ações de médio e longo prazo sem precisar contar com estratégias de resposta imediata.”

Isso sem contar o risco de surgimento de novas variantes. O próprio ministro da Saúde revelou que já há dois casos da variante deltacron registrados no Brasil, um no Amapá e outro no Pará. Segundo ele, essa notícia requer monitoramento e evidencia a importância da aplicação da dose de reforço.

Para uma autoridade que esteve ao lado do presidente desde o início da pandemia, Bolsonaro errou ao não conseguir verbalizar de forma clara que sua principal intenção era apenas assegurar que o Brasil comprasse uma vacina segura. O problema, diz essa fonte, é que quando ele entra numa polêmica não sai de jeito nenhum nem aceita recuar.

O argumento serve como subsídio para entender o discurso que será adotado pelo campo governista, mas é inegável que os erros de Bolsonaro e sua equipe vão muito além. Precipitar mais uma decisão que deveria ser técnica em razão das eleições, ainda mais sem apresentar os estudos que a embasam, será outro grave equívoco.

O argumento de Leite

Desde as prévias do PSDB, disputa da qual saiu derrotado por João Doria, Eduardo Leite demonstra convicção sobre o fator que será determinante na eleição presidencial deste ano: a taxa de rejeição de cada um dos candidatos.

O argumento não foi suficiente para lhe assegurar uma vitória na disputa interna do PSDB. Agora, poderá ser testado novamente se as negociações com PSD avançarem.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/risco-de-politizacao-da-emergencia-sanitaria.ghtml

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