Agenda liberal terá novo desafio a partir de fevereiro
A agenda liberal da equipe econômica passará em fevereiro por um novo teste de estresse, para usar um termo familiar aos agentes do mercado e também ao Banco Central – interessado direto no assunto.
Tão logo seja definida a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara dos Deputados, haverá mais clareza em relação ao futuro do projeto que dá autonomia formal ao BC. Ele é visto como prioridade pela equipe econômica e o próprio presidente Jair Bolsonaro apoiou em público a iniciativa quando seu mandato chegou ao centésimo dia. Na ocasião, inclusive, enviou seu próprio projeto à Câmara. Era um tempo em que a ala liberal do governo tinha mais prestígio.
O problema é que a proposta nunca foi popular na ala desenvolvimentista, que vem dando sinais diários de força, e ela acabará sendo debatida em meio a um cenário de possível alta de juros. Isso coloca um novo ingrediente na discussão, que corre o risco de se tornar mais passional. O ambiente já está acirrado. No Brasil de hoje, enquanto os efeitos devastadores da crise continuam presentes no dia a dia do cidadão, as forças políticas têm preferido usar até seringas e vacinas para inocular o vírus da politização e dividir a população.
Num contexto como este, ganha sempre aquele que prefere interditar o diálogo. A visita de um presidente do BC ao Palácio do Planalto em dia de reunião do Copom pode acabar gerando críticas à autoridade monetária, embora esse tipo de encontro tenha ocorrido em outras gestões da mesmíssima maneira.
A tramitação da proposta se dará ao ritmo da batuta do novo presidente da Casa, o grande responsável pela definição da pauta, mas não terá como avançar se o governo não incentivá-la com assertividade.
Antes mesmo das eleições municipais, dizia-se no Palácio do Planalto que essa deveria ser uma das prioridades da agenda legislativa na Câmara. O projeto era citado na companhia do marco regulatório da cabotagem e do programa Casa Verde e Amarela. Ambos foram aprovados pelos deputados. O projeto de autonomia do BC, no entanto, ficou de fora da pauta.
Um acordo entre a Câmara e o Senado, com apoio do governo, delegou aos senadores a missão de aprová-lo primeiro. E ela foi cumprida em novembro.
Naquele momento, uma obstrução travava os trabalhos da Câmara. A disputa pela presidência da Casa já atrapalhava a produção legislativa. Ademais, Maia defendia que havia outras questões mais urgentes a serem atacadas, como projetos relativos ao combate da pandemia e seus efeitos socioeconômicos e a reforma do sistema tributário nacional.
Justo. Mais do que compreensível. Agora, contudo, o horizonte ficou mais incerto.
Seus aliados, aliás, acreditam que foi cometido um erro tático, o qual pode acabar tirando o país do radar de investidores estrangeiros num momento de liquidez no mercado internacional.
Esta não é a única notícia negativa. O ano começou com o governo interferindo no Banco do Brasil e gerando dúvidas em relação à política de reajuste dos preços dos combustíveis conduzida pela Petrobras. Na sequência, aumentaram os questionamentos quanto ao compromisso do Executivo com o programa de privatizações defendido há mais de dois anos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe.
A mudança do presidente da Eletrobras não traz, até este momento, boas notícias para quem pretendia ver a estatal passando para as mãos da iniciativa privada.
Em relação às privatizações, deve-se levar em conta, ainda, o atual cenário da disputa pelas mesas diretoras do Legislativo. Em recente entrevista ao Valor, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) demonstrou indisposição de abrir caminho, no curto prazo, para medidas que reduzam a presença do Estado em setores considerados estratégicos.
Na Câmara, já havia pressão para que uma eventual desestatização da Eletrobras fosse compensada com investimentos na revitalização do rio São Francisco. É preciso lembrar, neste caso, que o candidato governista, Arthur Lira (PP), é um dos representantes de Alagoas no Parlamento. Ele só não esteve em novembro numa solenidade ao lado de Bolsonaro na cidade histórica de Piranhas, uma das bases para a visitação dos imperdíveis cânions do São Francisco, por estar em isolamento e se recuperando da covid-19.
Isso sem falar da resistência de auxiliares do presidente advindos das Forças Armadas, o mesmo grupo que sempre viu com grandes ressalvas o projeto que formaliza a autonomia do BC. Eles não têm tanto poder para influenciar a tramitação da proposta no Congresso, mas possuem amplo acesso ao presidente e espaço para defender eventuais vetos. A ala desenvolvimentista agradeceria, assim como a política. Afinal, apesar de agradar ao mercado, a sanção total do projeto poderia ser usada contra Bolsonaro na campanha à reeleição. O PT já explorou o tema contra Marina Silva (Rede).
Agora, contudo, as maiores dúvidas em relação às chances de aprovação do projeto residem na própria Câmara, onde a oposição promete fazer de tudo para tentar barrá-lo.
O relator da proposta, deputado Celso Maldaner (MDB-SC), diz que já articula para que seu parecer seja colocado em pauta o mais rápido possível. Segundo descreveu, conversou com o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) sobre o assunto. Sua expectativa é que a votação ocorra de forma célere, no máximo em março, caso seu correligionário vença a eleição. “Isso tem que acontecer antes das reformas tributária e administrativa”, argumenta. “É a grande prioridade para dar segurança jurídica e estabilidade”, acrescentou o parlamentar, segundo quem o governo é a favor da proposta e o Brasil precisa acertar os passos agora para assegurar a retomada do crescimento econômico.
O relatório está pronto. A opção de Maldaner foi manter o texto aprovado no Senado, para que a proposta possa ser remetida diretamente ao Planalto em caso de aprovação. Ele diz ser secundário o risco de uma vitória de Arthur Lira acabar levando à sua substituição no posto de relator. “O importante é colocar em votação.”