Modelo de superministérios é alvo de críticas
Brasília enfrenta por estes dias aquela época do ano marcada pela extenuante transição entre a seca e o início da temporada de chuvas. A estiagem chega ao seu ápice, pelo menos do ponto de vista de quem habita a capital federal construída no meio do cerrado, com taxas de umidade relativa do ar que se aproximam dos 10%. A torcida geral é para que qualquer chuvisco seja o prenúncio de um período mais fértil, mas o tempo é traiçoeiro e pode decepcionar os mais ansiosos. Neste clima insistentemente árido se desenrolou o jantar de segunda-feira promovido para reaproximar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro Paulo Guedes, da Economia.
Para quem desejava ter notícias positivas, até que chuviscou. Gestos públicos foram feitos: o presidente da Câmara desculpou-se por chamar o chefe da equipe econômica de “desequilibrado”. Guedes, por sua vez, reconheceu os trabalhos prestados por Maia desde fevereiro do ano passado para assegurar a aprovação de itens da agenda econômica e outros projetos de interesse do governo.
Poucas horas depois do encontro, não se fala em vencedor ou derrotado. O jantar serviu a ambos, que buscavam um reposicionamento no jogo e podem ter percebido que, juntos, têm mais a ganhar neste momento.
Maia andava afastado da cena por causa da covid-19, enquanto Guedes precisava dar um novo lustre à imagem do governo e se reapresentar como interlocutor privilegiado do Executivo com a cúpula da Câmara. O MDB aproveitou a oportunidade para lançar uma boia em direção ao ministro da Economia, antes que Guedes seja arrastado pela correnteza para o alto mar, ao mesmo tempo em que se mostrou um parceiro estratégico de Maia nesta reta final de gestão à frente da Casa.
A mensagem geral foi a defesa do teto de gastos, hoje a preocupação central dos agentes do mercado e dos políticos que passaram a vincular o respeito a esta regra às perspectivas de permanência do ministro da Economia no governo.
O ambiente era propício. O anfitrião era o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU). Junto com Maia, o dono da casa desempenhou um papel central na confecção da proposta de emenda constitucional do Orçamento de guerra, instrumento que flexibilizou as regras fiscais deste ano para viabilizar, por parte do governo, o combate aos efeitos da crise decorrente da pandemia tanto na economia quanto na vida de milhões de famílias.
Dantas é o relator natural dos assuntos relativos à área econômica no TCU, o que lhe confere ainda maior legitimidade para tratar desses temas em contatos reservados ou pronunciamentos públicos. E ele tem se mostrado um defensor do teto de gastos na Corte de Contas, a despeito do assédio de integrantes do governo favoráveis à flexibilização do dispositivo constitucional que se tornou a principal âncora fiscal do país.
Os demais convivas eram principalmente do MDB, o partido que esteve à frente das articulações para a implementação do teto durante o governo Michel Temer. A sigla relata o Orçamento de 2021, a PEC do Pacto Federativo e não hesitará em ocupar os espaços políticos que a conjuntura lhe oferecer.
Ainda é cedo, contudo, para se ter uma nova previsão do tempo de Brasília.
A permanência do ministro da Economia segue sob ataque especulativo – por parte de alas do próprio governo, segmentos do Congresso e setores do mercado. Seu rigor fiscalista é questionado pela ala desenvolvimentista do Executivo, que escorou o presidente Jair Bolsonaro em seu pior momento e o ajudou a estancar as turbulências institucionais entre os Poderes que poderiam se converter num processo de impeachment.
Cessaram as ameaças ao mandato do presidente e, agora, esses setores insistem na ampliação de seus orçamentos e dos investimentos públicos.
No Congresso, a trégua esboçada durante o jantar só será realmente testada quando o ministro e Maia precisarem se sentar à mesa para discutir os temas que os levaram ao rompimento.
Um deles é a reforma tributária e a intenção do Executivo de instituir um novo imposto sobre transações financeiras. Maia sempre foi contra a recriação de uma contribuição nos moldes da antiga CPMF, mas, conforme revelou o Valor, tinha sido procurado por articuladores que tentavam convencê-lo a retirar os obstáculos à discussão do tema. Em contrapartida, o governo concordaria em levar adiante a proposta de reforma tributária por ele defendida.
Então veio o rompimento, quando o governo decidiu adiar as discussões sobre a reforma tributária para depois das eleições municipais. A estratégia interditou não só os trabalhos da comissão mista que trata do assunto, mas também atrapalhou os planos de Maia para a etapa final de seu mandato à frente da Câmara.
De forma inadvertida ou não, Guedes também acabou se intrometendo na disputa pela sucessão de Maia, ao levantar a suspeita de que o deputado teria fechado um acordo com os partidos da esquerda para se reeleger na última disputa. Em troca dos votos, diz o rumor que é rechaçado pelo grupo de Maia e aliados, haveria o compromisso de bloquear a agenda de privatizações do governo.
Quem ficou ofendido pode contra-argumentar que no início de julho Guedes estabeleceu um prazo de até 90 dias para fazer quatro grandes privatizações, mas depois não voltou mais ao assunto.
O ministro e seus auxiliares precisarão enfrentar as críticas que apontam para a pasta da Economia quando se fala do imobilismo do governo nas últimas semanas. Argumenta-se que ficou explícita a falta de contrapontos dentro da equipe econômica, algo que seria fundamental para uma melhor tomada de decisão do chefe do Executivo.
Esses críticos apontam, também, que a saída de Sergio Moro da Justiça e Segurança Pública teria demonstrado a Bolsonaro que a exoneração de superministros gera problemas pontuais absolutamente contornáveis, diante da popularidade pessoal do presidente. O ministro da Economia terá ainda mais problemas, se começar a pregar no deserto.