Cisão de pasta deixaria Guedes em situação delicada
As inconfundíveis orelhinhas inchadas sempre foram um indicativo da presença de praticantes de jiu-jitsu. Durante muito tempo, até serviram de alerta visual aos demais presentes: “Melhor manter distância ou se preparar para correr, pois haverá briga”.
Preconceito, claro. O jiu-jitsu ficou estigmatizado por causa do comportamento inadequado de parte de seus adeptos. Hoje, essa situação parece controlada. Mesmo os entusiastas que não ostentam as tais orelhas aplicam com naturalidade os princípios da arte marcial em suas tarefas cotidianas, tanto no trabalho quanto em atividades pessoais, sem medo de eventuais danos à imagem que essa correlação poderia gerar num passado recente. Em Brasília, inclusive.
Provavelmente o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, seja hoje, no centro do poder, o mais famoso praticante da arte marcial desenvolvida pela família Gracie no Brasil e que ganhou o mundo. Fux é bom de briga. Sabe defender seus pontos de vista com os instrumentos e as técnicas que estiverem à disposição, como se tem visto em seus primeiros dias à frente do STF. Entretanto, essa é outra história.
O que poucos sabem é que o jiu-jitsu também passou a inspirar a equipe econômica. E isso explica a mudança adotada pelo Ministério da Economia na sua estratégia de relacionamento com o Legislativo, desde que a pandemia avançou sobre o território brasileiro.
No início, as autoridades da área acharam que conseguiriam emplacar uma agenda dando uma “prensa” no Congresso. Foi o que o ministro Paulo Guedes chegou a defender em novembro de 2018, poucos dias depois de o presidente Jair Bolsonaro ganhar a eleição, evidenciando como seriam conflituosas as relações entre os dois Poderes.
Acreditava-se, no grupo mais próximo a Bolsonaro, que o resultado das urnas daria força suficiente para o Executivo impor seu programa de forma praticamente irrestrita. Esses auxiliares do presidente haviam esquecido, obviamente, que deputados e senadores saíam da campanha eleitoral com a mesma legitimidade e estariam dispostos a medir forças.
O resultado é conhecido. O governo precisou ceder já na reforma da Previdência. Vieram outros embates com o Congresso, muitos dos quais ruidosos, mas Guedes procurou manter seu plano original de derrubar a trajetória futura dos gastos públicos mais descontrolados: Previdência Social, juros e despesas com o funcionalismo.
Realizada a reforma da Previdência, a qual deve impedir que os gastos da área cresçam mais do que o Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos anos, foi a vez de o governo se preocupar com os juros. Na visão de autoridades do Executivo, o governo estava conseguindo melhorar o balanço da União, desalavancar os bancos públicos e reduzir a relação dívida/PIB.
A expectativa, inclusive verbalizada pelo próprio presidente de forma questionável poucos dias antes de uma reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), era que a Selic continuasse caindo. E isso até poderia ocorrer, se não houvesse uma mudança de percepção no mercado em relação ao compromisso do governo com o teto de gastos.
Enquanto isso, a equipe econômica trabalhava, sem sucesso, com o objetivo de controlar as despesas com o funcionalismo. Este era, afinal, o terceiro pilar da estratégia que ainda está em execução e agora deve se concentrar em ampliar o horizonte de investimentos, principalmente privados.
A primeira tentativa naquele sentido se deu quando o ministério encaminhou ao Planalto uma proposta de reforma administrativa com mecanismos que visavam estancar o crescimento dos salários dos servidores. A ala política, contudo, brecou a iniciativa.
Bolsonaro foi convencido de que emendar uma reforma à outra, ou seja, a previdenciária à administrativa, era politicamente arriscado demais. Sua popularidade seria prejudicada e o governo não demoraria a enfrentar manifestações de rua, argumentavam seus auxiliares do núcleo palaciano.
A segunda tentativa de Guedes foi durante a discussão da Proposta de Emenda Constitucional do Pacto Federativo, a qual também acabou não avançando no Congresso.
Foi então que a pandemia chegou e, com ela, nas palavras de autoridades da própria pasta, a equipe econômica decidiu se inspirar nos princípios do jiu-jitsu.
Esta é uma arte marcial que utiliza golpes de alavancas, torções e pressões. Aproveita a força e os movimentos dos adversários para – de forma silenciosa – estrangulá-los ou imobilizá-los, independentemente de seu estilo de luta ou porte físico.
Em outras palavras, o Ministério da Economia conseguiu aproveitar a crescente demanda de Estados e municípios por recursos para fazer valer sua própria vontade. Buscou sujeitar o envio de verbas ao compromisso de que o dinheiro não seria usado para aumentar salários. Gastos pontuais e emergenciais não seriam transformados em despesas permanentes e, além disso, os vencimentos do funcionalismo seriam congelados até o fim de 2021.
A ideia enfrentou resistência do Congresso, mas Bolsonaro ficou ao lado de Guedes. Porém, ao fim do segundo ano do governo, agora a equipe econômica se vê envolvida em algo que se assemelha a uma briga de rua.
Enquanto se esforçava para imobilizar os adversários que considerava mais perigosos, ela começou a apanhar por outros lados e, na confusão, pode acabar perdendo alguns pertences – parte do superministério concebido por Guedes, instrumentos de condução da política econômica, cargos e orçamento.
Os críticos da atual estrutura da pasta sugerem desmembrá-la supostamente por questões administrativas ou para abrigar aliados. Mas eles sabem que, se a ideia for levada adiante, a situação da atual equipe pode ficar insustentável. Com ela fragilizada ou até mesmo reformulada, poderia enfim ser criada a oportunidade que muitos esperam para ultrapassar de vez o teto de gastos. Caberá a Bolsonaro mostrar de que lado está da briga.