Bolsonaro simplesmente não fará campanha em 2020 onde sua palavra não virar lei
Dois mil e vinte, o ano que insiste em não acabar, é perseverante e espaçoso. Já avança sobre o calendário de 2021, sem cerimônia. O Ano Novo começará com jeito de velho, com pouco dinheiro nos bolsos, sem saúde para dar e muito menos vender. Bastante do que poderia ter sido feito há meses ficou para a última hora, uma tradição da política nacional que poderia ter sido deixada de lado desta vez por causa da pandemia.
Bastaria bom senso da maioria das autoridades dos diversos Poderes. No entanto, em Brasília ainda se discute se a maior emergência sanitária dos últimos tempos é ou não uma justificativa plausível para a prorrogação dos trabalhos durante o recesso. Sem uma convocação, diversas tarefas urgentes serão redistribuídas entre as folhinhas de fevereiro, março e até abril. Pouco tempo depois, só se falará nas próximas eleições gerais.
Neste melancólico fim de ano legislativo, tudo indica que a disputa política e a desorganização do governo devem seguir travando a agenda de 2021. Está difícil de se prever, infelizmente, um grande esforço nacional voltado à construção de um plano de saída da crise.
O Orçamento, por exemplo, ganha forma num ritmo muito lento. Se no Brasil a peça orçamentária já era considerada uma obra de ficção, desprovida de previsibilidade a respeito de suas premissas e execução, o Orçamento de 2021 ainda não passa de um esboço de roteiro. Dificilmente será reestruturado antes das eleições para as presidências das mesas diretoras do Congresso, até porque o comando da Comissão Mista de Orçamento, objeto de disputa feroz entre os grupos que brigam pelo controle da Câmara, está em negociação. Diversos partidos querem ter o poder de conduzir o colegiado onde se debaterá o Orçamento do período pré-eleitoral.
Esperada para esta semana, a votação do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias também depende de um melhor ambiente político. Isso porque a LDO é vista como um instrumento fundamental por quem deseja o mínimo de segurança jurídica para ordenar despesas e investimentos nos primeiros meses do próximo ano. Sua possível não aprovação, por outro lado, já começa a ser considerada no Legislativo como a oportunidade que a ala desenvolvimentista do Executivo tanto esperava para conseguir gastar mais. Mesmo que isso represente um risco ao governo e precise ser discutido depois, para evitar punições ou problemas com os órgãos de controle.
No Congresso, cresce a preocupação de que a inexistência da LDO, ou seja, a ausência de diretrizes e regras mínimas para o Orçamento de 2021, poderia até artificialmente criar uma brecha para a prorrogação do auxílio emergencial a partir de janeiro, quando está previsto o fim da ajuda do governo federal à parcela mais pobre da população.
É indiscutível o papel desempenhado pelo auxílio emergencial na manutenção da popularidade do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia. Parece ter colado o seu discurso de que o governo federal não pode ser responsabilizado pelo número de vítimas, que, inclusive, não para de crescer.
No fim de ano sempre há espaço para arrependimentos. Entre parlamentares independentes e da oposição, o incômodo se dá com a sensação de que o Legislativo poderia ter adotado ações mais objetivas para tentar responsabilizar o presidente, a despeito da falta de um clamor pela abertura de um processo de impeachment.
Bolsonaro continua relativamente popular e tem chances de ampliar esses níveis de aprovação, dependendo do desempenho da economia, o que lhe garantiria um lugar privilegiado na campanha à reeleição.
Dados coletados pelo governo sobre as insatisfações da população durante a pandemia também não geram preocupação entre auxiliares de Bolsonaro. Segundo um desses levantamentos, por exemplo, existe um número considerável de reclamações e denúncias relativas à concessão do auxílio emergencial, além de queixas sobre a adoção da medida que permitiu a redução de jornadas e salários no setor privado e acerca do tratamento dos passageiros das companhias aéreas.
Chegam à Controladoria-Geral da União (CGU) reclamações da atuação do Estado como um todo e em relação à suspensão das aulas presenciais. O governo recebe críticas sobre a demora na vacinação e o desrespeito às recomendações de distanciamento social, mas são poucas as denúncias de supostos desvios ou corrupção. Além disso, estas englobam os diversos entes da federação. O fato é que, até agora, a administração federal tem conseguido preservar sua imagem, enquanto a cada semana uma nova operação policial envolvendo a aplicação dos recursos para combater a covid-19 é realizada nos Estados.
Isso impõe à oposição e a parlamentares independentes uma estratégia que mescla uma postura defensiva com alternativas de ataque.
Na parte defensiva, a ideia é impedir que medidas heterodoxas prorroguem algum tipo de ajuda emergencial à margem das normas fiscais. Já o ataque se daria com a possível instalação, no ano que vem, de pelo menos uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apontar responsabilidades no atraso na implementação do programa nacional de imunização, por exemplo. A ideia seria pelo menos desgastar o presidente.
A iniciativa ainda não tem muito apoio entre os governadores. Eles preferem que se gaste tempo e energia na discussão de propostas que busquem aumentar a capacidade de investimento, a oferta de crédito e impulsionem parcerias público-privadas (PPPs). Eles reclamam que falta diálogo com o Ministério da Economia e querem retomar o mais rápido possível as reuniões convocadas para tratar de temas positivos. Preferem que o Congresso não crie obstáculos para a reorganização da economia. Isso depende também, claro, do governo e de sua base. Caso contrário, 2021 ficará com a cara de 2020 durante muitos meses.