Adesão à OCDE pode demandar regulação da atividade
O desfecho do impasse entre o Congresso e o governo em relação à manutenção do veto presidencial que trata da extensão do Orçamento Impositivo às emendas de relator não muda a realidade: o Legislativo passou a ter um poder enorme na definição do destino dos recursos públicos. Autoridades do Palácio do Planalto podem até ter demorado a notar que o Executivo estava deixando de ser o centro de gravidade da gestão orçamentária, dando cada vez mais espaço para o Parlamento ocupar essa posição. Os lobistas, contudo, há meses se adaptaram e transformaram o Congresso em habitat prioritário. É nesse contexto que cresce a importância da aprovação de um marco regulatório do lobby.
O Brasil chega tarde. Apesar de ter apoio de deputados e senadores de diversos partidos – tanto à esquerda, como ao centro e à direita -, as discussões sobre o tema ocorrem muito lentamente no Congresso. Não é de se surpreender que ele tenha se tornado um tabu, depois de o Brasil enfrentar sucessivos escândalos de corrupção. Nos autos da Operação Lava-Jato, por exemplo, não faltam histórias escabrosas sobre o relacionamento indevido entre empresas e homens públicos. Mas elas não deveriam servir de justificativa para travar ainda mais a tramitação dessa agenda no Congresso.
Não é a ausência de regulação que faz com que a prática do lobby deixe de acontecer. Pelo contrário: ele acabará ocorrendo de qualquer forma, com ou sem regras.
Nos últimos meses, o assunto novamente entrou em evidência e a expectativa é que um projeto de lei já em estágio avançado de tramitação ganhe novo impulso. Apresentado em 2007 pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP), a relatoria foi da ex-deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) e pode passar por algumas mudanças de redação feitas pelas mãos do líder da maioria na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
O deputado também é relator da reforma tributária e deve ser recebido na semana que vem pela Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig).
Assunto para a prosa não faltará. Diante da morosidade do Congresso em regulamentar a atuação dos profissionais do segmento, a Abrig decidiu discutir alternativas. Uma delas é uma proposta de autorregulação que está sendo preparada em conjunto com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
O texto não está pronto e tampouco terá a força de uma lei. No entanto, pelo menos poderá ajudar a diferenciar quem quer trabalhar com o lobby de modo transparente dos que preferem atuar nas sombras.
Em 2018, o extinto Ministério do Trabalho reconheceu o lobby como uma ocupação. Mesmo assim, nada de se ter definição de regras sobre a identificação dos profissionais, como eles devem se movimentar pelos corredores e gabinetes de autoridades ou até mesmo apresentar suas propostas legislativas. Os registros das agendas de autoridades de todos os Poderes também deveriam conter os nomes dos participantes, o tempo de duração de audiências e os tópicos discutidos.
Seria positivo, por exemplo, saber quem circula em Brasília representando esta ou aquela empresa, associação setorial ou entidade de classe. Isso sem falar na autoria de emendas ou minutas de projetos de lei. Se no Congresso Nacional existe dificuldade para o credenciamento desses profissionais, deve-se refletir o quão obscuro pode ser esse procedimento em assembleias legislativas e câmaras de vereadores.
Mesmo assim, a cúpula da Abrig acredita na construção de um ambiente favorável à aprovação do projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados. Além de um novo impulso das principais lideranças políticas, a iniciativa pode receber um incentivo externo. Isso porque a regulamentação do lobby é alvo de tentativa de padronização na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Sonho de consumo do governo Jair Bolsonaro, a entrada do Brasil na organização pode acabar passando pela discussão dessa agenda. Em seus documentos e relatórios, a OCDE explicita o objetivo de garantir que a atividade de lobby seja exercida com transparência e retidão.
Uma das preocupações da organização é que os países assegurem acesso igualitário para a atuação dos diversos atores interessados na construção de propostas legislativas ou políticas públicas. Outro aspecto levantado é a necessidade de se oferecer um grau adequado de transparência, para que autoridades, cidadãos e empresas possam obter informações suficientes sobre as atividades de lobby em andamento. A implementação de tais regras precisam contar com a adesão dos lobistas, os quais devem cumprir padrões de profissionalismo e transparência. Para a OCDE, os países devem revisar periodicamente o arranjo legal que regula o setor.
Essa última recomendação demonstra como o Brasil está numa etapa anterior desse processo. Esse cenário, contudo, pode mudar.
O projeto de lei que regulamenta o lobby está pronto para ser votado. É um dos temas que pode ser incluído em pauta a qualquer momento pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Na mensagem que enviou ao Congresso em fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro também elenca a regulamentação do lobby como uma das prioridades do Executivo. “Algumas proposições legislativas poderão conduzir para o estabelecimento de um cenário mais positivo na atuação da Controladoria-Geral da União (CGU), considerando a evolução nas discussões relativas às normas gerais de licitação e o disciplinamento da atividade de ‘lobby’, por exemplo”, destaca o texto presidencial.
Esse é um aprimoramento essencial para dar mais robustez à democracia brasileira. Por outro lado, há que se evitar a construção de um arcabouço que acabe afastando desse processo grupos menos influentes e poderosos.