Desafio é conseguir manter a bandeira anticorrupção
O governo vai avançando, no discurso e na prática, em seu plano de ampliar o eleitorado disposto a reeleger o presidente Jair Bolsonaro.
A operação se dá em duas frentes e a primeira é voltada a expandir a base, além dos redutos sob a influência de aliados do Palácio do Planalto e da população ao alcance das novas políticas públicas federais. Em segundo lugar, a tarefa é evitar que eventuais desilusões com a atual administração aproximem os chamados “bolsonaristas raiz” de uma candidatura alternativa no campo conservador nos costumes, liberal na economia e identificada com o combate à corrupção.
No círculo mais próximo do presidente está claro que a aversão à política e o desgaste dos partidos com seguidos escândalos de corrupção, principalmente os protagonizados pelo PT, ajudaram-no a subir a rampa do Planalto. O desafio, a partir de agora, é manter a imagem do governo preservada, ao mesmo tempo em que o Executivo tenta se beneficiar da ampliação de sua base no Parlamento por meio de alianças com algumas dessas mesmas siglas.
A aproximação dos partidos do Centrão também pode facilitar, na visão de integrantes do governo, o trânsito de Bolsonaro nos redutos eleitorais nordestinos. Isso tende a beneficiar ambas as partes, uma vez que em 2018 ele se saiu comparativamente bem em praticamente todos os segmentos do eleitorado, mas pode melhorar muito seu desempenho na região.
Para aliados do presidente, o eleitor nordestino não tem, em geral, preferência partidária. Busca em grande parte dos casos estar próximo do poder público por necessidade e conveniência, ou seja, tende a ser receptivo em relação a quem pretende expandir sua atuação política nesses Estados e possui a máquina em mãos.
Por isso o futuro anúncio do Pró-Brasil e o lançamento do Casa Verde e Amarela podem ser vistos como parte de um esforço de refundação que está em curso no governo. A tentativa de construção de novos parâmetros no relacionamento com os outros Poderes também está nesse contexto.
O lançamento do Casa Verde e Amarela garante desde já, ao presidente e a seus aliados, um instrumento poderoso para sustentar o discurso de que as pessoas, sobretudo as mais carentes, passaram novamente ao centro das preocupações do poder central. O programa reduz a taxa de juros do programa habitacional, permite a renegociação de dívidas e promove um grande esforço de regularização de imóveis.
O poder eleitoral de uma escritura não pode ser menosprezado, assim como não passa despercebido que o programa tenha o ano de 2024 como prazo. As regiões Norte e, claro, Nordeste terão um tratamento diferenciado.
O governo fortalece seu discurso sobre o enfrentamento do deficit habitacional e faz um contraponto ao Minha Casa, Minha Vida petista.
Já o Pró-Brasil tende a propiciar ao governo um reposicionamento em outros campos estratégicos, como as discussões sobre o combate ao desemprego, a redução das desigualdades sociais, o uso mais eficiente dos recursos públicos e o tamanho do Estado.
Se por um lado esse pacotão pode conter o programa social que tentará deixar para trás a marca do Bolsa Família, o Renda Brasil, ele também deve contemplar medidas que buscam reduzir os custos de contratação e visam o aquecimento do mercado de trabalho. A recuperação da economia está no centro dos debates sobre o Pró-Brasil.
Num outro braço do pacote, Bolsonaro pode finalmente atender a uma crescente demanda de congressistas aliados e do setor privado para que envie ao Congresso uma reforma administrativa.
Neste caso, como costuma dizer, a bola passaria a estar com o Legislativo. Os ônus políticos seriam divididos e, num cenário extremo, ele até poderia novamente responsabilizar deputados e senadores por não conseguir implementar sua agenda.
É isso o que autoridades do Executivo têm feito para justificar aos bolsonaristas mais fiéis a demora na entrega de algumas promessas de campanha.
O governo pouco apresentou quando se olha para as pautas de costumes e de ampliação do acesso a armas e munições. Por diversas vezes o Planalto viu suas medidas provisórias ou projetos de lei serem retirados de pauta ou nem entrarem em discussão. Um exemplo recente ocorreu no Senado, que adiou a análise das propostas que alteram regras do Código de Trânsito como o prazo de validade da habilitação, a suspensão da carteira e o uso de cadeirinha para crianças.
Agora, o governo quer aproveitar esta nova fase de relacionamento com os presidentes da Câmara e do Senado para tentar convencê-los a pelo menos colocar em votação os projetos de autoria ou interesse do Executivo, mesmo que eles estejam fadados à derrota. Em outras palavras, defendem que a maioria do Parlamento possa impor sua vontade sobre cada tema e não se dependa da vontade dos presidentes das duas Casas do Legislativo.
O governo sabe que a pauta armamentista enfrentaria dificuldades. Mesmo assim, esse seria um jeito de dar satisfação ao eleitor cativo de 2018, que, por outro lado, assiste ainda impassível ao noticiário sobre as movimentações financeiras realizadas pelo ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz para as contas de integrantes da família do presidente.
Este assunto tira o presidente do sério em suas interações com a imprensa, mas é um tema do qual dificilmente conseguirá fugir quando a campanha se intensificar.
Os governistas intensificaram a estratégia de comunicação para mostrar que nos últimos 600 dias não houve um grande escândalo de corrupção. Eles também têm procurado dar visibilidade aos resultados de operações policiais e esperam poder se beneficiar das dificuldades enfrentadas na Justiça pelo ex-ministro Sergio Moro, que deixou o governo criticando a atuação de Bolsonaro na área. Isso tudo pode não ser suficiente para neutralizar o impacto das notícias relacionadas à atuação de Queiroz. A eleição está longe, mas a disputa ganha cada vez mais forma.