Eleitores descontentes elegem líderes que adotam soluções simplificadas para problemas complexos
O Fundo Monetário Internacional revisou para baixo o crescimento da economia mundial de 2019 e 2020. Países emergentes como o Brasil terão neste ano o pior resultado desde a crise de 2009.
Gita Gopinath, a economista-chefe do Fundo, qualificou o crescimento atual como “lento e precário”. De modo transparente, emendou: “Não precisava ser assim, pois isso está sendo autoinfligido”.
Incertezas políticas provocadas por lideranças populistas turvam o cenário: entre as muitas estão a guerra comercial de Donald Trump contra a China e o processo que levou à ascensão de Boris Johnson no Reino Unido.
O primeiro ponto afeta as longas cadeias produtivas globais das duas maiores economias do mundo; o segundo poderá machucar não só o Reino Unido, mas a integração europeia e a economia da região.
Nesse cenário, o crescimento dos EUA de 2,6% neste ano deve cair a 1,9% em 2020. A China, que já roda no menor patamar em 30 anos, poderá crescer abaixo de 6% em 2020; os 19 países da zona do euro, menos de 1,6%.
O mundo parece ter caído numa armadilha: eleitores descontentes elegem populistas, que adotam soluções radicais e simplificadas para problemas complexos; os resultados são nocivos para a economia, que acaba prejudicando ainda mais os eleitores.
A série Desigualdade Global, que a Folha passou a publicar nesta semana, tenta jogar alguma luz sobre a alta complexidade dessas questões que engendraram o círculo vicioso.
Isso atravessa várias camadas: das mudanças geográficas e tecnológicas na produção mundial à elevada mobilidade de uma elite global bem formada; do encolhimento dos sindicatos ao aumento exponencial de ganhos financeiros em detrimento da produção física industrial que marcou o século 20; do endividamento recorde de governos, empresas e famílias à munição cada vez mais limitada de bancos centrais para enfrentar crises.
Embora o mundo nunca tenha tirado tantas pessoas da pobreza extrema como nos últimos 40 anos, sobretudo na Ásia, a desigualdade de renda subiu abruptamente, enquanto a classe média no Ocidente perdeu terreno.
Esse encolhimento relativo e o medo de seus membros de escorregarem para a pobreza têm ajudado a alimentar a ascensão do populismo ou da direita, em países como EUA, Rússia, Itália, Índia, Polônia, Filipinas, Brasil, Turquia, Hungria, França, Alemanha, Espanha e Suécia.
Com crescimento mundial menor, o provável é que não só a posição da classe média piore, mas que algo parecido aconteça também aos mais pobres, sobretudo no Ocidente.
Se isso levará a mais radicalismo de direita, fechamento de fronteiras e guerras comerciais, o tempo dirá. Alternativamente, os eleitores poderão buscar soluções políticas à esquerda —onde, infelizmente, já surgem também lideranças populistas com propostas econômicas inviáveis.
Não será fácil sair dessa. Nessas horas, o melhor é tentar entender a natureza dos problemas ouvindo os afetados e quem estuda a fundo o tema. É a isso que a nova série da Folha se propôs.