Felipe Salto: Os custos da confusão fiscal e a PEC dos Precatórios

O esforço de zerar o déficit e produzir um superávit necessário para que a dívida estacionasse seria de R$ 450 bilhões
Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Foto: Roque de Sá/Agência Senado

O esforço de zerar o déficit e produzir um superávit necessário para que a dívida estacionasse seria de R$ 450 bilhões

Felipe Salto / O Estado de S. Paulo

A PEC dos Precatórios foi aprovada pela Câmara dos Deputados e tramita no Senado. A mudança no cálculo do teto de gastos e o calote nos precatórios levariam à perda de credibilidade, à insegurança jurídica e, como um tiro pela culatra, ao aumento do endividamento público. Parte da fatura já está sendo paga.

Os juros previstos para os próximos dez anos a partir de 2022, tomando-se a curva a termo (que indica as taxas exigidas pelo mercado em diferentes prazos), estão em 12% ao ano. Isto é, o custo para o Tesouro Nacional tomar emprestado do mercado (quando emite títulos) para financiar suas despesas poderá ser muito alto por um bom tempo.

Para ter claro, há cinco meses, esse custo era precificado em torno de 7% (prazo de um ano), em pouco mais de 8% (cinco anos) e em 9% (dez anos). O aumento das taxas para 12% reflete a subida do prêmio exigido pelo risco. Diante de incertezas crescentes, quem tem poupança (o mercado) exige maior remuneração (juros) para comprar títulos públicos.

Se o governo tivesse receitas tributárias suficientes para pagar suas despesas, inclusive os juros da dívida, só precisaria emitir títulos para substituir os que estivessem vencendo. Ocorre que ele está no vermelho. Neste caso, brincar com fogo é ainda menos recomendável. Mesmo assim, aí está a PEC dos Precatórios.

A perda de credibilidade tem custos imediatos. Os agentes econômicos interpretam que o calote nos precatórios (despesas obrigatórias) poderia transbordar para outras áreas. Por que não dar calote em salários ou previdência e, assim, abrir mais espaço para outras despesas? Trata-se de pedalada: o Estado se financiando em cima de terceiros (os precatoristas, neste caso).

O custo aparece nos juros, como já mostrei, mas também na taxa de câmbio, porque a atratividade do País ao capital estrangeiro diminui, afetando o preço do dólar medido em reais. Consequentemente, bate na inflação, pois tudo o que se compra de fora fica mais caro. Por fim, afeta o crescimento econômico, sobretudo pelos juros mais altos e pela perda de previsibilidade, veneno na veia do investimento produtivo.

Aliás, a insegurança jurídica associada ao calote dos precatórios deve ser destacada. Combina-se à mudança do cálculo do teto, que subiria por uma inflação mais alta, desde 2017, abrindo espaço fiscal de R$ 93 bilhões para 2022. Criase, ainda, uma bola de neve nos precatórios, pois as despesas não pagas se somariam aos calotes dos anos seguintes, criando um passivo superior a R$ 850 bilhões até 2026.

Se o governo e o Congresso quisessem aumentar o Bolsa Família, um programa bem avaliado dentro e fora do País, poderia: 1) cortar despesas de custeio em R$ 11 bilhões; 2) corrigir a contabilização dos precatórios do Fundef/fundeb (educação), abrindo espaço de R$ 16 bilhões; e 3) direcionar metade das emendas parlamentares para o social, amealhando mais R$ 8 bilhões. O total, de R$ 35 bilhões, permitiria dobrar o valor do programa fixado na proposta de Orçamento para 2022.

A inflação ajudou a melhorar as receitas e a dívida pública por um tempo. Essa ilusão de melhora foi enaltecida por alguns irresponsáveis. É óbvio que isso despertaria a sanha por novos gastos. Não os sociais, necessários. “Ora, se está sobrando, vamos gastar!” Alertei, neste espaço, sobre isso. Entre agosto e setembro, a dívida bruta do governo geral já voltou a aumentar, de 82,7% para 83% do Produto Interno Bruto (PIB). Os pagamentos de juros estão subindo à razão de quase 40% em relação a setembro de 2020. Inflação não resolve nada. Nunca resolveu.

Com juros a 12% e inflação na casa de 6% (hoje está acima de 11% pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC), os juros reais seriam de 6% ao ano. Se o crescimento econômico ficar em 2%, em média, e a dívida pública rodear os 86%, num horizonte de três a quatro anos seria preciso produzir um superávit nas contas do governo de 3,4% do PIB para que a dívida estacionasse. O déficit deverá ficar em torno de 1% do PIB em 2022. Esse esforço de zerar o déficit e produzir o superávit acima calculado representaria R$ 450 bilhões.

Eis o custo mais escancarado desta confusão fiscal. Ainda há tempo para reverter parte dos danos. Assim como os juros subiram rapidamente, podem descer. Isso dependeria, entre outros fatores, de reverter a PEC dos Precatórios e fazer o dever de casa.

Os cinco anos da IFI. A Instituição Fiscal Independente (IFI) completará cinco anos no próximo dia 30. A IFI conquistou credibilidade e, hoje, colabora como mecanismo de freio e contrapeso típico dos regimes democráticos. A imprensa cita seus trabalhos, em média, duas vezes ao dia. A Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) incluiu a IFI brasileira no rol de instituições monitoradas. Os números da IFI são usados para contrapor os cenários do governo e avaliar os custos das decisões de política econômica. Há, ainda, trabalho pela frente. Como um bom cão de guarda, seguiremos alertando sobre as ameaças à responsabilidade fiscal. Vida longa à IFI e parabéns à equipe!

*É Diretor-executivo da IFI e responsável por sua implantação

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,os-custos-da-confusao-fiscal,70003905658

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