O lançamento de um curso sobre o “O Golpe de 2016 e o Futuro da Democracia no Brasil”, na UnB, foi um rastilho de pólvora. Após a desastrada tentativa de censura, por parte do ministro da Educação, iniciativas semelhantes se espalharam por dezenas de universidades no País e no exterior.
Só há uma coisa mais discutível que a iniciativa do curso: o ministro da Educação dando argumento para validação da narrativa “vitimista”. A iniciativa para que investiguem o professor da UnB e o seu departamento é uma séria ameaça à autonomia universitária, uma das componentes da democracia no Brasil.
Algumas questões se colocam: foi golpe mesmo? Quais os limites da liberdade acadêmica? Que responsabilidade acadêmica corresponde a essa liberdade? Em que medida iniciativas individuais de um pequeno grupo de professores tisnam a imagem da universidade? Que ligações essas iniciativas têm com as estratégias eleitorais e partidárias para 2018?
A história não é uma narrativa única, mas milhares de narrativas alternativas, e, sempre que escolhemos contar uma delas, escolhemos também silenciar outras, nos diz Yuval Harari, no seu livro “Homo Deus”. Nesse sentido, a “verdade” está sempre em disputa, especialmente nas universidades.
Não entrarei, portanto, nessa infrutífera disputa de narrativas. O assunto é deveras complexo. Nesse sentido, era de se esperar que auniversidade, com sua responsabilidade acadêmica, ajudasse a iluminar amplamente a discussão.
O instituto do impeachment estava previsto na Constituição? As “pedaladas fiscais” configuraram desrespeito à lei orçamentária e à lei de improbidade administrativa? Houve manifestação do Tribunal de Contas da União sobre esse assunto? A Câmara Federal e o Senado eram as instâncias previstas para analisar o assunto? Houve controle do rito do impeachment por parte do Supremo Tribunal Federal?
A universidade, respondendo tais questões, estaria, com a pesquisa e a extensão, cumprindo o papel que já teve em importantes momentos da história brasileira, estabelecendo a relação universidade–sociedade no campo que lhe é próprio, o do conhecimento. Seria uma atuação de dentro para fora, não abrindo espaço para que grupos, certamente minoritários, com suas idiossincrasias pessoais e políticas, funcionassem, de fora para dentro, como cadeia de transmissão de projetos partidários e de mantras alienados da realidade.
Jamais uma disciplina que já apresentasse no nome uma conclusão seria estendida para uma discussão livre e pluralista, aberta para o contraditório. A iniciativa do curso é um sinal do isolamento social de certa esquerda, que só consegue conversar consigo própria, que se limita a fazer debates com quem com ela concorda, dona da verdade e de suas certezas dogmáticas. Por isso, seria bom lembrá-la dos ensinamentos de Stephen Hawking (1942-2018): “O maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, é a ilusão do conhecimento”.
A narrativa do golpe, oferecida por certa esquerda, sem compromisso com a democracia, diante do desastre ético e econômico, dos seus governos, é uma tentativa desesperada de manter a tropa unida para os próximos embates eleitorais, no primeiro ou no segundo turno. Nos últimos tempos, todas as nossas mazelas, oportunisticamente, são atribuídas aos “golpistas”.
Dilma Rousseff, em plenária do Fórum Social Mundial, sem a menor cerimônia, disse com todas as letras que a “morte de Marielle é mais uma etapa do golpe”. O deputado Jean Wyllys, vencedor do “BBB 5”, atribuiu ao clima criado pelo golpe parlamentar a exclusão, no primeiro paredão de2018, da cientista política Mara Telles do “Big Brother Brasil 2018”, representante de esquerda.
O jogo está apenas começando. Aprofundando a radicalização vitimista, o PT, que em 1988 não votou pela aprovação da Constituição, agora sinaliza, pelas palavras da sua presidente nacional, que a eleição sem Lula é golpe e que não reconhecerá o resultado das urnas. Resta saber o que fará. O desespero não é bom conselheiro.