FAP Entrevista: Rogério Baptistini Mendes

A tarefa do centro político é garantir a democracia, a agenda reformista e um padrão civilizado de governabilidade no após eleições, avalia Baptistini.
Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

A tarefa do centro político é garantir a democracia, a agenda reformista e um padrão civilizado de governabilidade no após eleições, avalia Baptistini

Por Germano Martiniano

Faltando apenas três dias para as eleições, as chances de se modificar um quadro marcado pela forte polarização política são quase mínimas, segundo as pesquisas eleitorais do Ibope e Datafolha. Tudo indica que teremos um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad, ou até uma vitória do candidato da direita no primeiro turno. Essa tendência de que há pouquíssimas chances para o centro político se confirmou por meio da debandada da bancada ruralista, que até então apoiava Alckmin, para o lado de Bolsonaro.

Diante desta nova realidade, muitos analistas já começam a conjecturar qual deverá ser o papel do centro político brasileiro e da esquerda democrática diante dessas duas possibilidades que se apresentam. Para Rogério Baptistini Mendes, doutor em sociologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e dirigente da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), o centro político deverá ser “responsável e propositivo” em um possível segundo turno e também nos próximos quatros de governo de Bolsonaro ou Haddad. “A nossa tarefa é garantir a democracia, a agenda reformista e um padrão civilizado de governabilidade no após eleições”, acredita o sociólogo, entrevistado da série FAP Entrevista.

A FAP Entrevista é uma série que está sendo publicada aos domingos e, agora, às quartas-feiras (excepcionalmente estamos publicando nesta sexta-feira, 05/10), com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

FAP Entrevista – Tudo indica um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad. Entre os dois, qual seria o melhor ou o menos pior para o Brasil?
Rogério Baptistini Mendes – Considero a polarização entre Bolsonaro e Fernando Haddad ruim para o país. Ela aponta para o esgotamento do sistema partidário competitivo surgido com a transição democrática e para a persistência de uma cultura política autoritária e messiânica, o que torna ainda mais dramática a conjuntura que enfrentamos. É pouco provável que o resultado das urnas apazigue a sociedade e seja capaz de produzir consensos em torno das reformas necessárias para que o Brasil reencontre o caminho do desenvolvimento econômico, supere os males herdados e se projete vigoroso rumo ao futuro, com democracia e justiça social.

E quanto ao centro político, que posição deveria ter em um eventual segundo turno?
Nós, do centro, caso se confirme o quadro atual, devemos nos manter neutros no segundo turno. A nossa tarefa é garantir a democracia, a agenda reformista e um padrão civilizado de governabilidade no após eleições. Temos história, experiência, responsabilidade e visão pública dos problemas. Num ambiente fissurado, teremos de conduzir nossa energia para produzir a justa medida, o equilíbrio, e impedir que o aventureirismo oportunista desgrace o destino dos brasileiros.

Do ponto de vista das reformas que o Brasil necessita, qual destes dois governantes têm mais capacidade de realizá-las e qual deve ser a prioridade do próximo governo?
Em se tratando da pauta das reformas, Bolsonaro e Haddad parecem igualmente incompetentes para realizá-las. O primeiro por estar descolado dos partidos e do sistema político, restando como um deputado marginal, afastado do grande debate; o segundo por atuar como preposto de Lula e representar um partido de vocação nitidamente exclusivista e reacionária.

Em um próximo governo, independentemente de quem seja o vencedor destas eleições, qual deverá ser o papel do centro político?
Conforme afirmei antes, o centro deve ser responsável e propositivo. Deve, também, atuar fortemente no sentido educativo, qualificando a sociedade para democratização da democracia. O Brasil precisa de uma cultura pública robusta, capaz de conduzir ao consenso e reduzir a algaravia que deprime e rouba o ânimo. Os partidos e as forças que compõe o centro devem, para usar termos datados, produzir uma hegemonia cultural a partir da ação cotidiana e resgatar a ideia moderna e civilizada de que a oposição política é um direito democrático e deve ser exercida para o aprimoramento das vontades políticas.

O senhor é doutor em sociologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), portanto conhece bem a realidade de São Paulo. O estado é o mais desenvolvido do Brasil, ainda que com todas suas mazelas. Por que Alckmin, que foi governador várias vezes, não consegue cair nas graças da população brasileira?
Creio que o eleitor perdeu a confiança no sistema de partidos saído da redemocratização. O PT, um dos maiores partidos, contribuiu muito para isso. Desde sempre fez a campanha da acusação e da desqualificação do sistema do qual ele próprio faz parte. Hoje, candidatos ligados aos partidos tradicionais, considerados pelos eleitores como “políticos profissionais”, estão sem prestígio, são vistos com desconfiança e desprezo. E o moralismo de setores da mídia e do judiciário só piora as coisas!

O Governador Alckmin, com sua trajetória, apoiado por partidos de expressão e lideranças inquestionáveis, é vítima de um fenômeno paradoxal: o público não partilha uma convicção política, pública, do maior dos problemas públicos, que é o governo da sociedade política. Ao contrário, o público está atormentado por questões morais e visões particularistas e excludentes acerca do destino comum.

O movimento #EleNão, ainda que embutido de todo um sentido ético de valorização da mulher e contra o machismo, não impediu que Bolsonaro crescesse nas pesquisas. Ocorre no Brasil o mesmo que ocorreu nos EUA com Trump: o eleitor em sua maioria está mais preocupado com quem fale de segurança, economia, emprego, po r exemplo, do que com pautas identitárias?
O #EleNão fez o que poderia ter feito. E recebeu a resposta que era esperada da parte contrária. Os grandes problemas estruturais, nesta eleição, estão emaranhados e confundidos com os temas comportamentais e de costumes. E este é um dos motivos que reforça ainda mais a nossa responsabilidade. O centro político terá de garantir o pluralismo e a tolerância como bases de uma democracia democrática. E quando digo “democracia democrática”, quero dizer que as regras do jogo reclamam uma cultura política que as sustente.

O PT, ainda que com todas as críticas que se possa fazer, é um partido que sabe fazer política. Onde se vai, de sindicatos à universidades, se vê um “braço” petista. Por que outros partidos no Brasil não conseguem fazer o mesmo?
Nós também sabemos fazer política. E, tenho convicção de que fazemos a grande política. Não a política pequena, dos particularismos, do atraso, dos vícios privados. Esta política não nos interessa, mas interessou ao PT e ajudou a consumar o estado de coisas atual.

O senhor acredita na tese do fatalismo, que o Brasil está jurado à ditadura de esquerda ou de direita, com Haddad ou Bolsonaro? Ou já temos instituições consolidadas o bastante? Temos um Congresso efetivo e uma população mais participava que possam impedir um governo autoritário?
O Brasil será uma grande nação. Em menos de um século, transformamos com o trabalho de nossa gente um país rural e exportador numa grande sociedade urbana e industrial. Ocupamos o território, formamos um só povo. Hoje, estamos prestes a completar 30 anos sob uma constituição democrática, com a rotina das eleições, uma cidadania ativa e o respeito ao ordenamento jurídico. Há muito trabalho a ser feito. O acerto de contas com o passado e as reformas que nos insiram no futuro. Mas estamos preparados. Há que se manter o otimismo e a disposição.

 

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