FAP Entrevista: Marco Aurélio Nogueira

A renovação política não se resolve em torno de nomes, mas sim de forças organizadas e ideias, acredita o cientista social, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de teoria política na Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marco Aurélio Nogueira
Foto: Revista FAAP
Foto: Revista FAAP

A renovação política não se resolve em torno de nomes, mas sim de forças organizadas e ideias, acredita o cientista social, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de teoria política na Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marco Aurélio Nogueira

Por Germano Martiniano

A partir deste domingo (25/2), a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) inicia uma série de entrevistas com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições. Milhões de brasileiros irão eleger um novo presidente, governadores, deputados e senadores e ter subsídios que os permitam fazer uma boa escolha é fundamental.

Basta lembrar que hoje o Brasil ainda vive um cenário político indefinido quanto aos possíveis concorrentes à Presidência da República, por exemplo, e isso a pouco menos de seis meses para o início das campanhas autorizadas pelo Tribunal Superior Eleitoal (TSE). Situação que tende a ser agravar, inclusive, por conta do clima de acirramento entre as diversas forças políticas existente hoje no país. Além disso, situações extraordinárias conturbam ainda mais o dia a dia dos brasileiros, como a que Estado enfrenta atualmente, em função da intervenção federal decretada no Rio de Janeiro, neste mês, por conta da insegurança que ameaça toda a população. E, em função da própria intervenção, reformas importantes para todos os brasileiros, como a da Previdência – que é uma Proposta de Emenda à Constituição (PAC) – estão suspensas, o que complica ainda mais o quadro geral.

É nesse cenário que pode impactar fortemente a opinião do eleitor brasileiro que a FAP conversou com o cientista social, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de Teoria Política da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marco Aurélio Nogueira.

De acordo com Nogueira, a intervenção militar no Rio de Janeiro, prevista para ocorrer até o final de 2018, pode não ter o resultado esperado: “É muito pouco tempo para que se tenha uma política de segurança em termos ideais, ainda que possa ajudar a melhorar o clima de pânico que vive a população carioca”, avalia. Sobre as eleições presidenciais e a esperança de renovação política, ele acredita que a questão do “novo” não se resolve em torno de nomes, mas sim de forças organizadas e ideias.

Confira, a seguir, trechos da entrevista com Marco Aurélio Nogueira:

FAP – Seu último artigo publicado no Estado de S. Paulo foi sobre a intervenção militar no Rio de Janeiro. O senhor acredita que ela é necessária? Quais seriam as soluções a longo prazo?
Marco Aurélio Nogueira:
Penso que não dá para cravar que a intervenção será ou não um sucesso, se será ou não uma medida paliativa. Ao menos por enquanto. No curto e médio prazo, pode-se esperar algumas iniciativas que alcancem a organização das polícias (neutralizando seus focos de corrupção e ineficiência, por exemplo) e ponham um certo “freio” nas ações do crime organizado. Um aumento do policiamento ostensivo poderá ajudar a que se reponha um clima de menos pânico na população. O problema da segurança, porém, não será resolvido por essa via. Necessitará de uma política pública específica, bem articulada e vinculada em termos horizontais com outras políticas da área social, a educação, a saúde, a cultura, a habitação. Sem isso, não há como avançar. A intervenção irá se estender até o final de 2018. É muito pouco tempo para que se tenha uma política de segurança em termos ideais, mesmo que se saiba que existem boas propostas e diretrizes já apresentadas pelos estudiosos da questão. Tais propostas precisarão ser processadas politicamente, o que não é fácil de ser feito num ano eleitoral e no atual quadro político nacional.

No mesmo artigo o senhor cita que Temer poderia tirar certos benefícios desta intervenção, uma vez que a reforma da Previdência perdeu força. Acredita que Temer, mesmo diante de todas as dificuldades que seu governo enfrenta, possa se candidatar para presidência com chances de vitória?
Não acredito que o governo Temer possa adquirir prumo e força para definir um candidato que o represente nas eleições e tenha chances de vitória. É um governo fraco, que nasceu torto, com um ministério pouco qualificado e uma coordenação política marcada pelo fisiologismo. Pau que nasce torto, morre torto. O melhor que se pode imaginar e desejar é que o governo Temer conclua seu período sem ceder às suas alas mais problemáticas.

Quais os prejuízos com o arquivamento da reforma da Previdência?
Há um consenso de que a reforma da Previdência é importante para o futuro do país. Mesmo que não se tenha concordância total com os passos reformadores a serem dados, a maior parte dos gestores, políticos e estudiosos concorda que algo precisa ser feito. A dificuldade para se construir um “consenso total” esteve o tempo todo na dinâmica que levou à não aprovação de medidas reformadoras, que foram tentadas em governos anteriores. Temer procurou eleger a reforma como sua marca e não conseguiu, ainda que tenha se valido de táticas pouco republicanas e pouco democráticas para formar uma maioria. Isso ocorreu, em boa parte, porque lhe faltaram condições políticas e operacionais para agir como reformador num quadro político traumatizado pelo impeachment e mergulhado em crise. O arquivamento de agora é uma espécie de morte anunciada. É prejudicial, mas não creio que se deva exagerar no reconhecimento disso. Reformas previdenciárias só vingam quando forem realizadas em um tempo longo, incremental. O próximo governo, se sair das urnas com força e se for composto com qualidade técnica e política, terá condições muito melhores de enfrentar o tema.

O centro da política brasileira é um “espaço bastante amplo”, como o senhor citou, no caso das eleições presidenciais. Há chances de sair do Centro algum candidato que apresente algo novo para o país, ou teremos “mais do mesmo” nestas eleições?
Chances existem sempre e podem ser ou não aproveitadas pelos articuladores políticos (técnicos, intelectuais, candidatos). A situação atual é ruim no plano da articulação, mas tem como contraponto positivo a pressão social, a manifestação popular de descrença na política, a indignação contra a corrupção, os privilégios e a ineficiência dos políticos, e assim por diante. Será preciso, também, qualificar o que se entende por “novo”. Estaríamos pensando em um “nome novo” ou em uma “nova proposta” e um “novo projeto”? Para mim, em política, a questão do “novo” não se resolve em torno de nomes, mas sim de forças organizadas e ideias. Desse ponto de vista, um nome “velho” poderá ser o eixo em torno do qual se organizem forças dispostas a sustentar uma iniciativa política de novo tipo. Se isso irá ou não sair do “centro político” é algo em aberto. Mas, certamente, não poderá sair nem dos extremos da direita e da esquerda, nem de um centro concebido como extensão passiva do governismo. Tenho pensado que um centro democrático consistente precisará estar “inclinado à esquerda” e aberto para a sociedade. Somente assim poderá representar um passo adiante.

Muitas pessoas acreditavam que a força do discurso extremista de Bolsonaro provinha do fato de ele ser uma oposição real a Lula. Com o petista, momentaneamente, fora das eleições, Bolsonaro é um candidato com reais chances de vitória?
Não consigo ver Bolsonaro como um candidato com chances de vitória. Creio que ele já bateu no teto e tenderá a retroceder na medida em que o debate eleitoral avançar. É um político despreparado demais e com pouca inteligência emocional para enfrentar as interpelações que um debate público apresentará. Seu discurso é pobre e monotemático, não consegue abraçar a multiplicidade de temas e problemas que uma sociedade complexa como a brasileira apresenta.

O senhor acredita que a força do discurso de Bolsonaro, de extrema direita, também se deve ao fato da esquerda brasileira atualmente não apresentar soluções para os problemas do país?
Bolsonaro não cresceu hoje: sua ascensão vem de alguns anos para cá. Políticos como ele sempre se beneficiam de espaços deixados vazios pelas forças democráticas, sobretudo em termos da apresentação de soluções e ideias inovadoras. A esquerda não contribuiu muito, nos últimos anos, para que isso aparecesse. Mas não foi somente ela, e sim o conjunto dos democratas.

A esquerda brasileira, hoje, enfrenta uma crise de identidade?
Acho que a crise da esquerda, que é de dimensão universal, não é só de identidade. É uma crise programática e organizacional também. A identidade de esquerda continua a ser reconhecível e a funcionar como critério de diferenciação na política. O que falta é uma visão abrangente do mundo em que vivemos e das reformas que precisam ser concebidas para que esse mundo contenha um futuro melhor. Falta uma ideia de como deve se organizar a esquerda, com suas várias correntes, se a forma continuará a ser o partido político ou não. Há muitas interrogações e lacunas nesse terreno. A reflexão crítica, teórica, está devendo.

O que o senhor espera do próximo presidente brasileiro a ser eleito em outubro?
Redução da desigualdade, educação de qualidade, saúde pública, respeito aos direitos humanos e combate à corrupção. Se conseguirmos avançar, nos próximos quatro anos, nesses pontos, o país mudará de patamar.

 

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