O país precisa aglutinar as frentes democráticas para superar os extremismos políticos neste ano eleitoral, avalia Gilvan Cavalcanti de Melo
Por Germano Martiniano
Em plena Copa do Mundo, é quase impossível não falar de futebol, mesmo que o país se encontre em um turbilhão politico com a proximidade das eleições presidenciais. Gilvan Cavalcanti de Melo, editor do blog Democracia Política e Novo Reformismo, aceitou o desafio de relacionar política e futebol. Ele é o entrevistado desta semana da FAP Entrevista, série que está sendo publicada aos domingos com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições. “Sou suspeito para falar sobre essa distinção – política e futebol-, desde criança gostava de futebol, joguei no infantil do principal time da minha cidade, no interior de Pernambuco. Depois, cheguei a jogar no juvenil do Sport Recife, fomos campeões invictos sem levar um só gol”, avisa.
Gilvan Cavalcanti foi militante do Partido Comunista Brasileiro, o PCB. Lutou contra a ditadura, foi exilado no Chile e em Cuba e fez parte da fundação do Partido Popular Socialista (PPS), em janeiro de 1992. Uma das grandes curiosidades da vida política dele foi a prisão do filho, Gilvan Filho, o Giba, durante o período ditatorial. “Nosso filho tinha um ano e quatro meses de idade e era deficiente físico dos membros inferiores, por isso, precisou ficar com a mãe na cela”, relembra Gilvan.
O panorama politico brasileiro neste ano eleitoral e os extremismos políticos do momento também foram temas tratados por ele nesta entrevista à FAP. “Para superar o quadro atual é necessário um esforço de todas as forças democráticas reformistas e aglutinar um bloco amplo que consiga iniciar um novo governo em 2019”, enfatizou Gilvan Cavalcanti.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista à FAP:
FAP Entrevista – Gilvan, não tem como fugir da pergunta: o senhor está assistindo os jogos da Copa? Está gostando do desempenho do Brasil até aqui?
Gilvan Cavalcanti de Melo – Sim, estou acompanhando muitos jogos. O Brasil precisa melhorar muito, ter um futebol mais solidário.
O senhor está na militância política há muito tempo. Em 1970 o Brasil foi campeão mundial e no país vivia uma ditadura, com Médici no poder. Como era essa relação entre futebol, militância, torcida, nacionalismo e política na época?
Na época, o tema gerou muita polêmica. As posições políticas das oposições contra a ditadura tentaram vincular a seleção de futebol com a política. Os grupos que se autoproclamaram defensores da política de confronto direto, via sequestros, assaltos a bancos, etc., defendiam a tese que o futebol era um instrumento de propaganda do governo autoritário, portanto, faziam chamados para torcer contra a seleção. E acusavam os grupos que trabalhavam com a política de frente democrática de adesistas ao regime militar. A história é conhecida. Demonstrou a falsidade da teoria do confronto direto sem política.
É possível fazer uma relação entre futebol e política no Brasil, ou são coisas distintas? O senhor faz parte do “time” que pensa que o futebol é um fator de alienação em nossa sociedade?
Sou suspeito para falar sobre essa distinção. Desde criança gostava de futebol, joguei no infantil do principal time da minha cidade, no interior de Pernambuco. Depois, cheguei a jogar no juvenil do Sport Recife. Fomos campeões invictos sem levar um só gol. O goleiro era o Manga que, depois, veio para o Botafogo do Rio e da seleção Brasileira. Esse lado futebolístico em nada me impediu de fazer política, organizando grêmios escolares. Depois, o lado da política venceu e abandonei muito cedo o futebol. Fiz grandes amigos no juvenil do Sport e nos demais clubes do Recife. Na época da ditadura foram solidários comigo.
O senhor teve um filho que também foi preso durante a ditadura. Como foi essa história?
A história foi a seguinte: com o golpe militar de 1964 eu e minha mulher, Graziela, fomos presos. Nosso filho Gilvan Filho (Giba) tinha um ano e quatro meses de idade e era deficiente físico dos membros inferiores. Minha mãe e minha sogra começaram a fazer pressão, via d. Helder Câmara para libertar Graziela. Mais ou menos em junho/julho houve muitas denúncias de torturas em Recife, publicadas na imprensa carioca, principalmente, no jornal Correio da Manhã. O general Ernesto Geisel, então ministro da Casa Militar de Castelo Branco, foi visitar as prisões de Recife. Num dia de visita normal, minha mãe levou nos braços o Giba. Nesse dia o general apareceu por lá e se deparou com a pressão de minha mãe. Em vez de libertar Graziela, autorizou o Giba ficar na cadeia, na cela, com Graziela. O Giba também foi anistiado e recebeu desculpas formais do estado brasileiro.
O senhor também esteve exilado em Cuba. Como era o país na época?
Meu exilio em Cuba ocorreu em virtude do golpe que derrubou o governo de Salvador Allende. Pedimos asilo na Embaixada do Panamá e no Chile. Lá estavam muitos brasileiros, entre os que me recordo: Betinho, Theotonio dos Santos, Marco Aurélio Garcia, Emir Sader, etc. Do Panamá fui para Cuba. Lá trabalhei em Mariel e depois em Havana. Era uma vida difícil, apesar da solidariedade e do carinho da população. Fiquei por lá até dezembro de 1978, quando vim embora para o Brasil, antes da anistia, quando percebi o movimento de abertura do regime militar.
Atualmente, o senhor continua na militância política por meio do seu blog, o Democracia Política e Novo Reformismo. Ou seja, o senhor aderiu a uma linha da esquerda menos dogmatizada, mais atualizada aos novos tempos. Para o senhor, militante do PCB na ditadura, exilado em Cuba e no Chile, quando foi que percebeu que era hoje de mudar, de atualizar-se?
Essa é uma história muito longa. Em primeiro lugar minha formação cultural política sempre foi muito “ocidental”. Desde jovem meus amigos já me chamavam de “reformista” “revisionista”, etc. Na época eram conceitos agressivos, quase um palavrão. Acho que o ponto de ruptura se deu no processo da Primavera de Praga (1968). Colocaram-me o carimbo de “italianista” e “antissoviético” e depois “eurocomunista’.
Como o senhor avalia o nosso panorama político atual, com as proximidades das eleições presidenciais?
É conhecida a profunda crise na qual vivemos. Um legado do período da administração comandada pelo PT. Além da crise econômica, com inflação, juros altos, recessão e uma alta taxa de desemprego herdamos um processo de despolitização da sociedade, o aparelhamento das agências estatais e a corrupção sistêmica.
O senhor acredita que o centro emplacará uma candidatura? O Brasil será comandado por algum político extremista?
Para superar o quadro atual é necessário um esforço de todas as forças democráticas reformistas e aglutinar um bloco amplo, que consiga iniciar um novo governo em 2019. É primordial que se trabalhe para que esse bloco vença as eleições de 2018. A chave é unir essas forças, derrotar o atraso estatista e autoritário, fugindo da armadilha binária. O país é muito mais complexo e não cabe nesse simplismo dicotômico: esquerda x direita.