Gabeira defende parcialmente a intervenção federal no Rio de Janeiro e divide a esquerda atual entre os que veem a democracia como um fim e aqueles que a enxergam como um meio para promover uma ditadura
Por Germano Martiniano
Fernando Gabeira Gabeira é o entrevistado desta semana da FAP Entrevista, uma série de entrevistas com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições. Um dos mais reconhecidos escritores e jornalistas do país, atualmente ele faz o “Programa do Gabeira”, que é exibido pela Globo News, onde viaja por todo o Brasil conhecendo e relatando os problemas de cada região.
Gabeira participou da luta armada contra a ditadura, foi membro-fundador do Partido Verde, no qual foi eleito deputado federal em 1994, sendo reeleito em 1998. Em 2002 trocou o PV pelo PT e foi eleito novamente. Porém, no final de 2003 abandonou a legenda petista por considerar inaceitável a conduta do partido no inicio do governo Lula. É autor do livro “O que é isso, companheiro?”, em que busca compreender o sentido de suas experiências – a luta armada, a militância numa organização clandestina, a prisão, a tortura, o exílio – e no qual elabora, para a sua e para as gerações seguintes, um retrato autêntico e vertiginoso do Brasil dos anos 60 e 70.
Ele atendeu a FAP, por telefone, no Ceará, onde está gravando mais um programa para Globo News. Na entrevista, Fernando Gabeira falou sobre as eleições 2018, meio-ambiente, a esquerda atual e, logicamente, se aprofundou sobre a violência na capital carioca. Para ele, a intervenção federal é mais preocupante que o tráfico de drogas: “o objetivo deveria ser reduzir as armas e não acabar com o tráfico de drogas, que me parece com resultados muito distantes no horizonte”, avalia.
Confira trechos da entrevista:
FAP – Como você analisa a violência na capital carioca e a intervenção federal?
Fernando Gabeira – Analiso a violência no Rio de Janeiro como algo bastante sério e estou de acordo com a intervenção federal desde que ela cumpra os seguintes aspectos:
1) Ela deve ter um prazo claro de saída, não um prazo de calendário, mas a partir da tarefa que ela precisa executar que é normalizar a situação na cidade, pelo menos reduzir o índice de criminalidade e devolver a polícia a sua operacionalidade para ela continuar seu trabalho;
2) Que respeite a população, que não trate a população da favela como se estivessem em um território hostil, mas sim como uma população amiga comandada por forças hostis;
3) Que não seja acompanhada de ocupação em várias favelas, pois, este meio já se provou inadequado, nenhum exercito tem condições de ocupar todas as favelas do Rio;
4) Que estimule a Lava-Jato a realizar seu papel, que é completar a limpeza na política brasileira e do Rio de Janeiro, porque ainda tem muita gente que precisa ser alcançada;
5) Que explicite para população quais são seus propósitos para haver uma maior interação entre o cidadão e o poder público;
6) Por fim, defendo a intervenção, não por achar que todo estado que tem violência deve ter intervenção federal, porém o caso do Rio de Janeiro há dois fatores que justificam a intervenção, o primeiro é a ruina do estado provocada pela incompetência e corrupção do grupo político que ainda está lá, e segundo é a ocupação territorial armada, ocupação do território com pessoas armadas é algo que deve ser combatido em qualquer lugar do Brasil.
O senhor acha que a legalização das drogas seria uma das soluções para o problema da violência na capital carioca e no Brasil?
Essa questão está sendo debatida pelo próprio ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, que pediu que houvesse um debate na sociedade sobre a diferença entre tráfico e consumo. Eu acho que a legalização pode potencialmente trazer algum alívio para a violência, mas ela pode trazer também uma série de fatores colaterais que demandariam uma polícia mais bem organizada para tratar deles. Por isso que eu defendo que este tema seja posterior a reformulação da polícia.
O senhor tem um programa na Globo News, no qual viaja o país conhecendo e relatando os problemas de várias regiões. Apesar de todos os problemas sociais e políticos, é possível ver o futuro do país com otimismo?
Eu vejo com otimismo moderado, não creio que estas eleições irão resolver muitos problemas. Mas sinto tanta vontade no Brasil de que as coisas melhorem, que exista mais progresso, mais emprego, que acho que este desejo vai acabar se materializando de alguma maneira. Estas eleições não trarão uma mudança excepcional, mas acho que os caminhos das modificações estão abertos, inclusive já foi aberto no campo da economia, pois a crise mais profunda já foi estancada. Agora é possível pensar em crescimento, crescimento sustentável, reforma politica e também em outras reformas que o país necessita.
Qual deve ser o eixo central, em sua visão, para podermos construir um pais mais justo e mais democrático?
É preciso seguir reconstrução econômica e dentro deste processo discutir a previdência social, pois ela é um grande problema para o Brasil. Precisamos discutir também o processo de modernização do país, de inovação que possa fazer com que ele avance economicamente de uma forma mais firme. Portanto, vejo que no campo da economia precisamos resolver estes dois fatores: solução dos gastos do Estado, principalmente a previdência e do problema do atraso tecnológico e cientifico. No campo político precisamos de uma reforma que reaproxime os grupos políticos do cidadão brasileiro, pois as mudanças que foram feitas na Câmara dos Deputados no “apagar das luzes” foram muito mais para manter o esquema dominante do que para permitir uma renovação.
Acredita em renovação para 2019?
Acredito em uma renovação modesta, não em grande escala. Alguma renovação haverá, pois tem muita gente trabalhando para isso, há muitos grupos trabalhando para renovação e creio que a população irá olhar com muita simpatia para quem ainda não ocupou nenhum cargo público.
O desmatamento na Amazônia, além de outras regiões do país, continua com números alarmantes. O que falta ao país para protegermos todas nossas riquezas ambientais?
O que falta no país é uma consciência de que a proteção das riquezas ambientais acaba sendo a médio e longo prazo mais interessante para economia e para prosperidade do próprio país. De modo geral, a tendência é ter uma visão mais imediatista. O Brasil é um país é muito grande muito, então nossa tendência histórica é de se destruir uma região acreditando que haverá outra para se explorar. Este processo está se esgotando e o Brasil muito breve deverá compreender, não por uma questão de uma consciência moral, e sim por questões econômicas, a importância da água, da diversidade natural. Tudo isso são elementos que definirão uma economia do futuro. Porém, sempre haverá uma luta muito grande entre as pessoas que veem o desenvolvimento do Brasil a longo prazo e aqueles que querem ter um lucro em curto prazo. Hoje, no congresso brasileiro existe uma tendência mais forte em favorecer o curto prazo.
Como o senhor vê a esquerda brasileira atual? Ainda existe esquerda?
Com os acontecimentos que surgiram e com a experiência que foi adquirida neste início de século, as tendências em dividir a sociedade entre direita e esquerda, podem ainda existir, porém não representam mais unanimidade. A sociedade atual, às vezes, aceita soluções de direita; às vezes, aceita soluções de esquerda no mesmo governo. Claro que a complexidade social é tamanha, que nenhuma das duas visões pode resolver sozinha a situação. Cada momento, cada problema, demanda uma análise e solução específica. Um dos parâmetros fundamentais da esquerda, que creio ter possibilidade ainda de avançar e obter maiores êxitos, é o fato de ela ser ou não democrática. Essa é uma linha divisória no interior da esquerda brasileira. As pessoas que acreditam que o processo deve ser democrático e que enxergam a democracia como um fim, e no processo contrário, as pessoas que enxergam a democracia como um meio para se promover uma ditadura. Este é um marco importante, que define duas visões de esquerda. Hoje, por exemplo, só uma minoria da esquerda brasileira rejeita o governo da Venezuela. Outros consideram que o Bolivarianismo é um governo legitimo, popular e progressista, quando na verdade ele não representa mais que uma tentativa de usar a democracia para implantar uma ditadura.