FAP Entrevista: Cláudio Oliveira

O humor é uma ferramenta para formação do espírito crítico da população, avalia Claudio Oliveira.

O humor é uma ferramenta para formação do espírito crítico da população, avalia Cláudio Oliveira

Por Germano Martiniano

O humor é uma característica do povo brasileiro, algumas expressões como o “Brasil é o país da piada pronta”, “Aqui tudo acaba em pizza”, “O brasileiro faz piada da própria tragédia” e outras são constantemente ouvidas no vocabulário popular. Hoje, com as redes sociais a quantidade de “memes”, conceito de imagens, vídeos e GIFs relacionados ao humor crescem a cada dia, ainda mais diante de um “prato cheio” como às eleições 2018.

Quem faz piada de nossa vida política, porém de maneira profissional, é o chargista Cláudio Oliveira, jornalista pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com especialização em artes gráficas na Escola Superior de Artes Industriais de Praga, República Tcheca e o entrevistado deste domingo da série FAP Entrevista. A entrevista faz parte da série publicada aos domingos pela FAP com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.

Com um humor inteligente e critico de nossa situação política, Cláudio procura através de suas charges passar ao povo brasileiro os perigos de figuras radicais que a direita ou à esquerda prometem soluções fáceis ao nosso país, porém sem compromisso real com a democracia. As charges são uma boa maneira politizar a população, avalia: “Acho o humor uma boa ferramenta para a formação do espírito crítico, importante para melhorar o mundo.”

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

FAP Entrevista – Para o senhor, o Brasil é o país da piada pronta?
Sim, mas não só o Brasil. A Itália de Berlusconi e os EUA de Trump, por exemplo, são duas tragicomédias. Apesar dos avanços desde a Constituição de 1988, o nosso país ainda tem muitas mazelas. Portanto, material para a crítica do humor. Hoje temos um descompasso entre uma representação politica majoritariamente atrasada e uma sociedade civil que avançou. O Brasil é 90% urbano, a escolaridade do brasileiro aumentou, nunca tivemos tantos universitários, vivemos numa sociedade de informação em um planeta interconectado. E tem gente que acha que pode fazer política do tempo de Getúlio Vargas e Adhemar de Barros, o autor do “rouba, mas faz”. E é triste ver que as causas do nosso declínio econômico na década atual parecem com as da década perdida de 1980.

De onde veio essa ideia e como transformar assuntos tão sérios em sátiras políticas?
Desde criança leio quadrinhos e humor. Aos 13 anos, em 1976, passei a publicar na imprensa do Rio Grande Norte. Nesse ano, Henfil, então um dos mais consagrados cartunistas do país, foi morar em Natal. Por influência dele passei a fazer charges políticas e a colaborar com o Pasquim. O humor, desde os tempos das comedias gregas clássicas, sempre fez reflexões bem-humoradas sobre a condição humana e a vida em sociedade. Acho o humor uma boa ferramenta para a formação do espírito crítico, importante para melhorar o mundo.

Os momentos políticos mais conturbados são os mais inspiradores?
Acho que o humor pode se sobressair nos momentos conturbados. A saída da crise exige reflexão e debate. O humor pode contribuir nesse sentido. Mas, nos momentos de calmaria e bonança, ele é tão ou mais importante, pois não perde o olhar crítico, fugindo do oba-oba e da propaganda oficial.

Quais foram as charges mais marcantes que o senhor fez?
Como há um candidato dizendo que o regime ditatorial de 1964 foi bom, resolvi organizar um livro eletrônico (1) com as charges que publiquei de 1977 a 1985 no Pasquim e na Voz da Unidade, o jornal do antigo PCB, do qual fui militante até 1989. Na capa, coloquei uma charge do tempo do governo do general Ernesto Geisel, que definiu o regime como “democracia relativa”. Nela, uma opulenta dama da alta sociedade pergunta: querida, que regime você tem que é tão magra. E uma pobre senhora responde: “democracia relativa”. A charge teve a felicidade de sintetizar a questão que considero fundamental: só com instituições sólidas, bem organizadas e democráticas, os cidadãos farão com que o Estado brasileiro venha a representar os interesses da maioria e, portanto, estabelecer políticas para melhorar a vida de todos.

Uma de suas últimas sátiras foi “Pizzaria do Brasil, da Abertura à Reeleição de Lula”. O senhor acredita que no Brasil tudo sempre acabará em “pizza”, que é um estigma da cultura política brasileira?
O livro é de 2007. Mas, parece que pelo menos desde as manifestações de 2013, a tolerância de boa parte dos brasileiros com a pizza na política diminuiu bastante. Um exemplo foi a campanha eleitoral de Dilma em 2014. Ela negou a crise em que o país já estava, com a produção industrial em queda, um processo inflacionário crescente e as contas públicas arrebentadas. Passado o pleito, revelaram-se a recessão que, segundo a Comissão de Datação dos Ciclos Econômicos da Fundação Getúlio Vargas, começou no segundo trimestre de 2014, e a necessidade de um ajuste, iniciado pelos ministros de Dilma, Joaquim Levy e Nelson Barbosa. Sentindo-se enganada, mais as denúncias da corrupção na Petrobras, multidões tomaram as ruas nas maiores manifestações de nossa história. Tempos depois, desenhei uma charge em que o presidente do Congresso, no papel de motoboy, diz ao presidente da República que estava difícil fazer entregas de pizza.

Como o senhor analisa a insistência do ex-presidente Lula para ser candidato a presidente?
Fiz uma seleção das melhores charges da era Lula, de 2002 a 2018, e publiquei em sete livros eletrônicos (2). O leitor perceberá que o eixo da crítica do meu trabalho é a “questão democrática”. A cúpula do PT é legatária do pensamento de uma esquerda autoritária. Seus líderes foram politicamente educados nas organizações marxista-leninistas dos anos 1960 e 1970. Elas tinham uma cultura política economicista e colocavam a luta de classes acima da democracia. Se achavam uma vanguarda que conduziria as massas para realizar as transformações sociais. Tais organizações imporiam a sua hegemonia em nome dos trabalhadores. Com essa visão subsistente, foi fácil aos líderes petistas, uma vez no poder, abraçar um populismo de esquerda, desvalorizando os partidos e o Congresso, incentivando o culto à personalidade do líder que fala diretamente ao povo. O programa do governo não foi o programa comum adotado consensualmente pelos partidos da coalizão governista, mas o do PT, ao qual os demais tiveram que se subordinar, fazendo lembrar na forma o stalinismo do Leste europeu. Para tanto, os principais aliados do governo Lula no Congresso foram partidos cooptáveis, não só o MDB de Sarney, como também partidos atrasados e fisiológicos, como o PP de Maluf, o PSD de Kassab, formado principalmente por egressos do antigo PFL. Não à toa, partidos da centro-esquerda como o PDT da época de Brizola e o PPS romperam com o governo Lula ainda antes da explosão do mensalão, em 2005. Achei equivocado José Dirceu definir como principal inimigo a combater o PSDB, um partido do centro democrático e reformista. O desvio do dinheiro público para corromper aliados e financiar a atividade partidária, sem falar em enriquecimento pessoal, somado ao desprestígio das instituições, a meu ver, é corolário dessa visão autoritária de “revolução pelo alto”.

Outras charges que o senhor tem explorado é sobre o candidato a presidente Jair Bolsolnaro e seu perfil radical. Por que esse radicalismo tem atraído tantos brasileiros? Bolsonaro é uma ameaça a democracia e aos meios de comunicação brasileiro?
A visão de uma esquerda autoritária, o desprestígio dos partidos e do Congresso, a cooptação dos sindicatos e dos movimentos sociais, o discurso salvacionista centrado no culto à personalidade de Lula, nada disso contribuiu para uma boa politização da sociedade brasileira. Somados aos escândalos de corrupção, à crise econômica e social e uma pauta centrada em questões identitárias, tudo isso, ao meu ver, abriu espaço para o salvacionismo de uma direita autoritária. Acho uma ameaça a uma democratização mais ampla das instituições e sobretudo um retrocesso. Como cartunista e jornalista me sinto na obrigação de questionar todo e qualquer candidato e promover o debate.

O que o senhor espera do novo presidente do Brasil?
Se fizer o que fez Itamar Franco, um governo de coalizão democrática, de diálogo com a sociedade, de uma postura ética, que tire o país da crise e aponte para a retomada do crescimento, sem descuidar do social, terá feito muito.

O jornal satírico francês Charlie Hebdo sofreu um ataque terrorista em 2015. O que motivou os terroristas foi uma charge do jornal com a figura de Maomé. O senhor acredita que o humor deve ter “portas abertas” para se fazer piada com qualquer tema? Muitos humoristas reclamam de uma “onda do politicamente correto”, que estaria dificultando fazer humor. O senhor concorda?
Acho que o jornal tem o direito de fazer a crítica que quiser e responder judicialmente por elas. O jornal já foi processado muitas vezes e em vários casos foi condenado. Pessoalmente, evito fazer humor com figuras religiosas em respeito aos sentimentos religiosos dos leitores. Não faço humor “politicamente correto”. Aprendi com Henfil a fazer “humor consequente”: o alvo da crítica deve ser os poderosos de plantão, pois são eles que têm os instrumentos para melhorar a vida das pessoas. Assento a crítica do meu trabalho em valores democráticos, republicanos e sociais.

*Cláudio de Oliveira é jornalista pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com especialização em artes gráficas na Escola Superior de Artes Industriais de Praga, República Tcheca. Atualmente é chargista do jornal Agora São Paulo, do Grupo Folha. Ganhador do Prêmio Vladimir Herzog, de 1996, na categoria Artes, e do troféu HQ Mix, de 1998, com o livro de charges Pittadas de Maluf.

(1) Ditadura Nunca Mais. Charges do fracasso econômico do regime militar – 1977/1985.
https://www.amazon.com.br/dp/B07GV1R3GW

(2) Coleção Humor da Era Lula:

1 – Como estou dirigindo? O primeiro governo da presidente Dilma Rousseff.
https://www.amazon.com.br/dp/B00QXF5MJK

2- Mensalão, rir pra não chorar.
https://www.amazon.com.br/dp/B07BQ84PF1

3- Humor do Impeachment.
https://www.amazon.com.br/dp/B07BT4BG58

4- O Cara e a Coroa. Seleção de charges sobre o governo Lula e a eleição de Dilma.
https://www.amazon.com.br/dp/B07BR9RYVC

5- Pau e Circo. Crítica das relações fisiológicas entre governo e Congresso.
https://www.amazon.com.br/dp/B07BTDZVB4

6- Dura Lex no Tríplex. Os melhores cartuns sobre a Lava Jato
https://www.amazon.com.br/dp/B07BTDQMGL

7- Temeridades. O humor da crise econômica.
https://www.amazon.com.br/dp/B07F1XXZMB

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