No clima de boas iniciativas voltadas para construir um saudável ambiente de negócios e recuperar as finanças públicas, é natural que surjam propostas de reforma tributária.
Alguns delas buscam inspiração em experiências de outros países; outras, mais atrevidas, fazem lembrar a malsinada “nova matriz econômica”, que infelicitou o País nos últimos anos.
Sistemas tributários são intrinsecamente imperfeitos, porque construídos no embate parlamentar.
A pretensão de torná-los consentâneos com modelos teóricos, que se abstraem de restrições, é fascinante. Abre espaço para a imaginação, na busca de uma possível estética tributária. Desconhece, todavia, os riscos e custos de mudanças disruptivas, que envolvem virtuais danos ao equilíbrio fiscal, imprevisível redistribuição de carga tributária sobre os contribuintes e, sobretudo, a perspectiva de instauração de morosos e intrincados litígios judiciais, inerentes a um País onde prepondera a próspera indústria da litigância.
Parafraseando San Tiago Dantas, em discurso de posse na cátedra de Direito Civil da Universidade do Brasil, o sistema tributário é “campo das aquisições lentas, das transformações aluvionais”.
No campo material, as mudanças devem ser estratégicas e cautelosas, inspirando-se nas engenharias parcelares, preconizadas por Karl Popper.
Não se pode desconhecer que instabilidade de regras tributárias desaconselha os investimentos.
Em outra perspectiva, despontam os principais problemas do sistema tributário brasileiro: o processo e os procedimentos tributários. Sem o charme das novas concepções tributárias, o enfrentamento desses problemas demanda muita determinação para superar arraigadas resistências de índole cultural.
Ao qualificar como complexo o sistema tributário brasileiro, é bem provável que a percepção do analista tenha sido impactada pela complicação do sistema, o que desloca a matéria do campo da concepção abstrata para o da operabilidade.
O Imposto de Renda das Pessoas Físicas, por exemplo, não é simples, mas sua declaração é fácil. É isso o que conta para o contribuinte.
Alguns dados para ressaltar a dimensão dos problemas processuais e procedimentais: no País, a soma das disputas tributárias (inclusive créditos inscritos em dívida ativa) perfaz um montante de R$ 3,3 trilhões, valor equivalente a aproximadamente 50% do PIB previsto para 2017, segundo o Banco Central; o prazo para o desfecho, na Justiça, de controvérsias tributário-constitucionais, que se iniciam na primeira instância, em conformidade com o controle difuso de constitucionalidade, é de 15 a 20 anos, gerando graves desequilíbrios concorrenciais; estão se esgotando as possibilidades de oferecimento de avais e fianças a contribuintes que contestam lançamentos tributários pela via judicial; por força de um burocratismo predatório que contrasta, paradoxalmente, com a excelência tecnológica da administração tributária, a mais recente pesquisa do Banco Mundial sobre a facilidade de fazer negócios (“Doing Business”) classifica o Brasil, em termos de pagamento de impostos, na lastimável 184ª posição em um universo de 190 países (apenas quatro países pobres africanos, Bolívia e Venezuela têm desempenho inferior ao Brasil).
É impressionante a pouca atenção que se dá a essas matérias, dando a impressão que há uma firme intenção de preservar o império da litigância e da burocracia. Com as vigentes regras processuais e procedimentais, nenhum sistema tributário será eficaz.
Em lugar de estimular o exercício de inviáveis fantasias tributárias, o governo Temer deveria conferir prioridade à reforma dos processos e procedimentos tributários.
No Senado, já foram apresentadas propostas que lidam com aquela reforma: a PEC nº 112/2015, gestada na CPI do CARF, que funcionou naquela Casa; e a PEC nº 57/2016 e o projeto de lei complementar nº 406/2016, elaborados no âmbito da Comissão dos Juristas para Desburocratização. Essas proposições são, ao menos, um ponto de partida para discussões mais profundas.
* Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal