Ameaças cada vez mais explícitas de Bolsonaro contra a Suprema Corte mostram que país está preso em crise constitucional permanente
Oliver Stuenkel / El País
Com um cenário econômico sombrio e as chances cada vez menores de uma recuperação significativa até o pleito presidencial em outubro de 2022, o presidente da República e seus assessores há tempo sabem que será difícil repetir o triunfo de 2018. Melar o jogo e impedir uma eleição normal no ano que vem será um dos principais objetivos de Bolsonaro, seja alimentando teorias da conspiração sobre supostas fraudes eleitorais, seja mobilizando partes radicalizadas da Política Militar para intimidar seus adversários, seja convencendo uma parcela da população de que o STF está violando a Constituição e precisa ser combatido. Treze meses antes do pleito, com o presidente apresentando poucos sinais de que estará disposto a aceitar a independência do Judiciário ou passar a faixa presidencial, caso perca a eleição, o Brasil está prestes a entrar no período de mais volatilidade política e crise institucional da presidência de Jair Bolsonaro.
Diante da alta probabilidade de que o Brasil tenha um “6 de janeiro”, como o dos EUA, para chamar de seu, resta saber se as instituições brasileiras demonstrarão o mesmo grau de resiliência diante das investidas autoritárias de seu mandatário. Porém, a analogia com a invasão do Capitólio dos Estados Unidos em janeiro de 2021 disfarça um desafio muito mais sério que o presidente Bolsonaro representa à democracia brasileira: Trump pode ter se recusado a reconhecer o resultado das eleições, mas suas tentativas de inviabilizar a transferência de poder foram amadoras e pouco disciplinadas. Nunca chegou perto de convencer nem uma pequena minoria das Forças Armadas americanas a apoiá-lo em uma possível aventura autoritária. Da mesma forma, Trump não conseguiu desestabilizar a política americana a ponto de produzir uma crise constitucional permanente. Não ousou anunciar que ignoraria as decisões de um juiz da Suprema Corte americana, como Bolsonaro fez durante o comício em São Paulo neste 7 de setembro. Mesmo sem o poder necessário para dar um golpe, Bolsonaro, confiante de que o Centrão o protege de um impeachment, tem a capacidade de inviabilizar o funcionamento do sistema democrático, seja exortando desobediência à Justiça, seja enraizando a convicção junto a uma parcela cada vez maior de que as eleições de 2022 serão fraudadas. Mais do que uma ruptura democrática imediata, o maior risco é de uma crise constitucional permanente, consumindo o país sem avançar nenhuma pauta política relevante.
Os benefícios que o caos político duradouro geram para Bolsonaro não são triviais. Desde que chegou à presidência, por meio de uma série interminável de polêmicas, ataques e escândalos cuidadosamente planejados, conseguiu inviabilizar um debate público produtivo sobre como o Governo deve responder aos principais desafios que o país enfrenta ― desde o aumento da pobreza, da desigualdade e do desmatamento até a péssima gestão da pandemia, que já matou mais de 580.000 brasileiros. A maior façanha de Bolsonaro foi criar, quase diariamente, cortinas de fumaça para distrair a atenção pública e esconder sua inépcia e seu despreparo para exercer sua função. O mesmo vale para numerosos membros do seu gabinete ― como todos os seus ministros da Educação, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello ou o ex-chanceler Ernesto Araújo. O presidente conseguiu, assim, reduzir o espaço que a oposição poderia utilizar para apresentar suas ideias.
Bolsonaro pode estar cada vez mais acuado politicamente, mas demonstrou que ainda é capaz de mobilizar uma quantidade expressiva de seguidores, sobretudo em São Paulo ― nada fácil, considerando o cenário econômico em que o país vive. Quando Collor convocou seus seguidores a tomarem as ruas em 1992, acabou impulsionando seu próprio impeachment. Bolsonaro, bem mais habilidoso, demonstrou ao país que ainda tem uma enorme capacidade mobilizadora. O STF dificilmente será intimidado pelas ameaças do presidente, mas já não se pode ignorar o fato de que centenas de milhares de brasileiros tomaram as ruas de diversas capitais do país durante o feriado da Independência para se manifestar contra a Suprema Corte.
Independentemente do desfecho das eleições do ano que vem, o custo da estratégia autoritária do presidente para a democracia brasileira é incalculável. Por enquanto, Bolsonaro parece estar fraco demais para dar um golpe de Estado, e a oposição, débil demais para um impeachment. No entanto, o recado para futuros mandatários com ambições autoritárias não poderia estar mais claro: com o apoio do Centrão, a anuência tácita das Forças Armadas e a manutenção de uma base radical mobilizada, tentativas golpistas não serão punidas. Mesmo se Bolsonaro deixar a presidência daqui a 15 meses, as sequelas serão duradouras.
*Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. É o autor de O Mundo Pós-Ocidental (Zahar) e BRICS e o Futuro da Ordem Global (Paz e Terra).
Fonte: El País
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