Elio Gaspari: Um caso de lavajatismo piorado

Judiciário e o Ministério Público não revelam o nome do representante da empresa que confessou as malfeitorias
Foto: Rubens Cavallari - 31.dez.2021/Folhapress
Foto: Rubens Cavallari - 31.dez.2021/Folhapress

Elio Gaspari / O Globo

Deve-se aos repórteres Artur Rodrigues e Rogério Pagnan a revelação de que abriu-se a caixa-preta das maracutaias envolvendo a concessão de rodovias de São Paulo. A Ecovias, uma das maiores empresas do setor, reconheceu a existência de um cartel e propinas em 12 concessões entre 1998 e 2015. Em 2020, a Ecovias assinou um acordo cível com a Promotoria paulista e aceitou devolver à Viúva R$ 650 milhões, dos quais R$ 400 milhões em obras e R$ 250 milhões em dinheiro. A empresa cobra os pedágios mais caros do estado: R$ 30,20 para carros.

Nessa bocarra operavam pelo menos dez parlamentares filiados a quase toda a extensão do arco partidário. Alguns deles vendiam proteção numa comissão parlamentar de inquérito.

Dessa boa iniciativa resulta um detalhe inquietante: o Ministério Público e o Judiciário não revelam o nome do representante da Ecovias que fez um acordo de colaboração premiada. Mais: procurada, a Ecovias recusou-se a comentar a colaboração de seu representante.

Depois de ter passado pelas onipotências lavajatistas da República de Curitiba, a turma que paga os pedágios é submetida a um novo tipo de humilhação. Uma empresa reconhece que praticou ilícitos, topa desembolsar R$ 650 milhões, mas não comenta. Vá lá, a paciência pública aguenta.

Num outro patamar, o Judiciário e o Ministério Público não revelam o nome do representante da empresa que confessou as malfeitorias. Entre elas, o cidadão contou que, em 1º de agosto de 2014, deu R$ 200 mil a um parlamentar. Se isso fosse pouco, vazam os nomes de pelo menos dez parlamentares.

Quando a República de Curitiba aspergia vazamentos seletivos, tinha a elegância de mostrar o nome do colaborador. Ademais, havia uma certa proporcionalidade, dois terços eram empresários ou servidores públicos, e um terço eram diretores de grandes empreiteiras. Afinal, sem o lubrificante de empresários e dos diretores de empresas, as rodas da corrupção enferrujam.

Em dezembro do ano passado, com autorização da Justiça, a Polícia Federal fez uma espetaculosa operação de busca na casa do ex-governador Ciro Gomes. O ato foi anulado pela instância superior do Judiciário. Em janeiro, assistiu-se a outra operação de busca e apreensão em casa de “pessoas ligadas” a Márcio França, candidato ao governo de São Paulo.

Ano eleitoral é assim mesmo, mas o que vem aparecendo são reedições pioradas do lavajatismo que envenenou a maior investigação de roubalheiras de sabe-se lá desde quando.

No caso da Ecovias, a curva é mais adiante. Ela envolve as libélulas que farfalharam em torno da privataria das concessões de estradas ao longo de pelo menos três governos de São Paulo, mais uma CPI pra lá de esquisita. Tudo isso tramita no escurinho do andar de cima. A isso somou-se a bizarrice do colaborador anônimo e de um vazamento que só identifica nominalmente políticos. As empresas do cartel das concessões, bem como a participação de cada uma delas, permanecem protegidas. Pelo que se vê, entre 1998 e 2015 havia um cartel, com seus jabaculês. Teria acabado graças à intervenção do Arcanjo Gabriel.

Passaram-se 21 séculos desde os dias em que o senador romano Catilina reclamava da insistência com que se abusava da paciência alheia.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/um-caso-de-lavajatismo-piorado-na-ecovias-25434264

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