Elio Gaspari: O STF quebrou um pé da Lava Jato

Chamar roubalheiras de políticos de caixa 2 sempre foi um sonho de consumo.
Foto: Dorivan Marinho/STF
Foto: Dorivan Marinho/STF

Chamar roubalheiras de políticos de caixa 2 sempre foi um sonho de consumo

Por 6 a 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os delitos de caixa dois e as práticas que lhes são conexas devem ficar no âmbito da Justiça Eleitoral. Jogo jogado.

Em 2006, por unanimidade, o mesmo Supremo decidiu que a cláusula de barreira era inconstitucional. Ao fazer isso, as togas dos 11 ministros serviram de cobertura para pequenos partidos que mamavam recursos do fundo partidário e o tempo dos horários gratuito de televisão. Veio a Lava Jato e, com ela, escancarou-se a roubalheira nacional. Graças ao clima que Curitiba criou, o Congresso aprovou uma nova modalidade de barreira.

Em 2017, o ministro Gilmar Mendes, que estava na unanimidade de 2006, disse que “hoje muitos de nós fazemos um mea-culpa, reconhecemos que foi uma intervenção indevida, inclusive pela multiplicação de partidos”. (Ele foi o único a fazer o mea-culpa, mas deixa pra lá.)

O 6 a 5 de quinta-feira poderá ser avaliado daqui a anos. Entre a unanimidade de 2006 e o mea-culpa de 2017 passaram-se nove anos.

Chamar de caixa dois as roubalheiras de políticos sempre foi um sonho de consumo. Esse truque saiu da cartola de Lula em 2005, quando surgiu o escândalo do mensalão.

Quando o Supremo matou a cláusula de barreira, os ministros sabiam que, junto com a defesa da liberdade de expressão, abriam a porteira para otras cositas más. Hoje, na estrada do caixa dois há 50 tons de capilés. Numa ponta está o candidato que aceita uma ajuda (monetária ou não) e deixa de registrá-la junto à Justiça Eleitoral. Na outra, está o magnífico Sérgio Cabral. Até bem pouco tempo ele dizia que amealhara dezenas de milhões de dólares valendo-se do desvio de dinheiro eleitoral.

Era mentira. Num exagero, mandar para a Justiça Eleitoral o processo de um coletor de propinas porque ele diz que tudo era caixa dois seria o mesmo que começar numa Vara de Família o processo do assassino de um casal que deixou quatro filhos, tornando-os órfãos.

Num voto seco, técnico, o ministro Luis Roberto Barroso sintetizou a questão: o que importa não é para onde o dinheiro vai, mas de onde ele vem. Se ele vem de propinas, o delito não é eleitoral, mas corrupção.

Barroso ficou na minoria.

A sessão do Supremo teve um momento de teatralidade com Gilmar Mendes chamando procuradores de “gângsters”, mas foi ele quem melhor definiu o debate: ”O que se trava aqui é uma disputa de poder”. Saiu satisfeito o lado de quem tenta esconder suas roubalheiras atrás do caixa dois, e quem perdeu foi a turma da Lava Jato.

O tempo mostrará as consequências do 6 a 5. Em cinco anos, a República de Curitiba destampou a panela da corrupção nacional como nenhum grupo de procuradores ou tribunal conseguiu fazê-lo desde que a Terra dos Papagaios chama-se Brasil.

A turma da Lava Jato acertou muito e errou pouco, mas tropeçou na soberba.

Sergio Moro não deveria ter divulgado o grampo de uma conversa de Dilma Rousseff com Lula sabendo que ela ocorreu fora do prazo autorizado pela Justiça. Também não deveria ter divulgado um anexo irrelevante e inconclusivo da colaboração do comissário Antonio Palocci no calor da campanha eleitoral do ano passado. Talvez não devesse ter deixado a Vara de Curitiba, e certamente os 12 procuradores signatários do acordo que criaria uma fundação de direito privado com recursos da Petrobras deveriam ter medido melhor os riscos que corriam.

Tanto a turma de Curitiba como os seis ministros do STF acharam que são supremos.

VENDA DE ALMA
Enunciando mais um pilar de sua diplomacia paleolítica, o chanceler Ernesto Araújo informou que “nós queremos vender soja e minério de ferro, mas não vamos vender nossa alma”.

Resta saber se alguém quer comprar essa alma.

RADIOATIVIDADE
O Ministério Público não quer ouvir o sobrenome Bolsonaro no caso do assassinato de Marielle Franco.

Antes que se pense que há nisso alguma forma de blindagem, o motivo real da preocupação é técnico. Se algum Bolsonaro entrar na roda, o foro do caso sai da alçada do MP. A prisão de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz mostra que as promotoras pegaram o fio da meada.

TESTE
Como ficariam as coisas se:
1) Adélio Bispo, o autor da facada contra Jair Bolsonaro, fosse vizinho de Fernando Haddad no condomínio Vivendas da Barra.
2) Se um delegado informasse que a filha de Adélio namorara um filho de Fernando Haddad.
3) Se Adélio tivesse chegado ao local junto com um cidadão filiado ao PT.
4) Se a polícia encontrasse 117 fuzis pertencentes a Adélio na casa de um amigo dele.

CRIME DE ÓDIO
O delegado Giniton Lages, que investigava o assassinato de Marielle Franco, atribuiu o provável motivo da ação atribuída ao ex-PM Ronnie Lessa a “uma obsessão por determinadas personalidades que militam à esquerda política”. Crime de ódio, enfim. Essa é forte.

Adélio Bispo diz que esse foi o motivo que o levou a esfaquear JairBolsonaro. Até hoje não apareceu pista de mandante.

O Brasil teve outros três famosos atentados movidos pelo ódio político.

Em 1897, Marcelino Bispo atentou contra a vida de do presidente Prudente de Moraes e matou o ministro da Guerra. Em 1915, Manso de Paiva matou o senador Pinheiro Machado com uma facada. Eram lobos solitários.

No terceiro caso, tratava-se de ódio alugado, pois havia mandante. Em 1954, a guarda pessoal de Getúlio Vargas tentou matar o jornalista Carlos Lacerda e assassinou um major da Aeronáutica. Deu no que deu.

Quatro presidentes americanos foram assassinados por ódio político. Em três casos, foram ações de lobos solitários (John Kennedy, William McKinley e James Garfield). No quarto, o de Abraham Lincoln, houve quadrilha, mas não houve mandante.

Juntando-se todos esses atentados, jamais os criminosos tiveram negócios com o jogo clandestino e com milícias. Somando-se todas as armas dos atentados brasileiros e americanos, não se chega nem perto do arsenal de 117 fuzis de Ronnie Lessa. Conta outra, doutor.

RECORDAR É VIVER
Para que os operadores políticos de Bolsonaro percebam o peso que os políticos dão aos seus pedidos.

Em 1962, o vice-presidente americano Lyndon Johnson pediu a John Kennedy a nomeação de uma juíza para Dallas. Nada feito. Johnson era um protegido do presidente da Câmara e ele avisou ao governo: enquanto ela não for nomeada, a sua pauta está trancada. A nomeação saiu no dia seguinte.

No início da tarde de 22 de novembro de 1963, diante de um mundo perplexo, Kennedy estava morto e Johnson foi levado para o avião presidencial, onde deveria prestar juramento diante de um juiz federal.

O ar refrigerado do Air Force One estava desligado e fazia um calor horrível em Dallas. O novo presidente pediu que achassem a juíza Sarah Hughes, pois queria que ela presidisse a cerimônia de sua posse.

Poucas pessoas notaram que ele fora à forra.

 

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