Ou a Aneel faz um debate limpo ou o Congresso limitará seus poderes
Em menos de 24 horas o presidente Jair Bolsonaro e os presidentes da Câmara e do Senado desmancharam uma costura que vinha sendo armada há anos pelas distribuidoras de energia e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). À primeira vista, o propósito dos empresários e dos eletrotecas era tungar os consumidores de energia solar, mas a coisa ia mais longe: queriam tungar a disseminação de uma energia limpa.
Desde 2012 sabia-se que em 2020 a Aneel rediscutiria os incentivos dados à produção e ao consumo de energia solar. Essa questão poderia ter sido conduzida de forma transparente, honesta e inteligente. Preferiu-se o caminho dos corredores, da onipotência e da treva. Primeiro, plantando-se uma versão segundo a qual o sujeito que coloca placas de energia solar no telhado de sua casa recebe subsídios.
Falso. Subsídio haveria se o cidadão consumisse R$ 100 de quilowatts e só pagasse R$ 90. No caso, quem tem placas de energia solar paga às distribuidoras até o último centavo pela energia que consome. Só não paga por aquela que o Padre Eterno lhe manda durante o dia. Hoje a energia solar representa 1% do consumo, e em 2019 a Aneel estimava em R$ 340 milhões os incentivos dados aos consumidores, sabendo que o subsídio ao uso do carvão custa R$ 1 bilhão.
Em outubro passado deu-se o grande golpe. A Aneel jogou fora meses de discussões e apresentou uma nova proposta para consulta pública que tungava entre 30% e 60% da economia conseguida por quem viesse a instalar painéis solares em suas casas ou em seus edifícios a partir de 2020. As consultas públicas anteriores haviam durado até quatro meses, com três reuniões presenciais. Dessa vez resolveriam tudo em 45 dias, com uma só reunião. Coisas de Brasília. Nesses dias, dando um toque pitoresco ao debate, um senador apresentou projeto classificando como “bens da União” os “potenciais de energia eólica e solar”. Tradução: lá vem imposto.
Com o tranco dado por Bolsonaro, Rodrigo Maia e David Alcolumbre, a Aneel tirou a girafa do picadeiro e disse que vai reexaminar a questão. (Vale lembrar que o Ministério da Economia havia emitido um parecer endossando a ideia da girafa. Lá viceja também a ideia de se taxar o uso da internet em transações bancárias.)
Os eletrotecas e os empresários menosprezaram o ensinamento de Tancredo Neves: “Esperteza, quando é muita, come o dono”.
Há dois tipos de consumidores de energia solar. Num estão as pessoas que têm placas nos telhados de suas casas, edifícios ou conjuntos residenciais. No outro, há os consumidores abastecidos por empresas que montam grandes fazendas captadoras de energia solar e funcionam como verdadeiras usinas geradoras. (Uma residência que paga R$ 300 mensais e instala painéis solares investindo R$ 15 mil derruba a conta para R$ 50.) Nos dois casos, usam uma energia limpa, mas pode-se dizer que as duas operações, mesmo semelhantes, não são iguais. Se os espertalhões tivessem exposto essa diferença, sem pensar numa tunga ampla, geral e irrestrita, talvez não tivessem tomado a pancada que tomaram.
Agora, ou a Aneel faz um debate limpo, ou o Congresso limitará seus poderes de taxação planetária.