Elio Gaspari: O golpe do IRB, um teste para a CVM

Espalhar boato para provocar a alta de uma ação é ideia velha, mas novidade estaria na exposição das minúcias.
Foto: Caixa
Foto: Caixa

Espalhar boato para provocar a alta de uma ação é ideia velha, mas novidade estaria na exposição das minúcias

Quando o Instituto de Resseguros do Brasil era estatal, aconteciam por lá coisas tenebrosas. Saneado e privatizado, parecia ter tomado jeito. Agora se vê que alguns espertalhões usaram a empresa para dar o mais primitivo dos golpes: espalhar um boato otimista, faturá-lo e ir em frente. No mundo do papelório adora-se otimismo, desde que na outra ponta alguém esteja disposto a comprá-lo. Em dezembro de 2018 os çábios falavam que em 2019 o Produto Interno Bruto cresceria 2,55%. Cresceu 1,1%.

Com o IRB houve um otimismo direcionado, funcional e lucrativo. Desde janeiro as contas da empresa estiveram debaixo de chumbo até que, tchan, surgiu a informação de que Warren Buffett faria um investimento na empresa. O “Mago de Omaha” é aquele que toca numa ação e ela vira ouro.

O interesse de Buffett foi chancelado por çábios do mercado que juram ter ouvido a informação no próprio IRB e até mesmo de operadores do “Mago”. Num só dia as ações do IRB subiram 6,6% e chegaram a valer R$ 45.

Na quarta-feira, a empresa de Buffett soltou uma nota dura e humilhante, dizendo que “não é acionista, nunca foi acionista e não tem interesse em se tornar acionista” do IRB. Em apenas quatro dias da semana passada, a empresa perdeu R$ 13,4 bilhões em valor de mercado.

Nesse angu há de tudo. O presidente do Conselho pediu o chapéu em meados de fevereiro. O presidente do IRB e seu diretor financeiro caíram na quarta-feira. Lá atrás, a diretoria se habilitou a receber um bônus de R$ 61,9 milhões. A queda do valor da ação para R$ 17 sugere que havia algo errado nas contas do IRB mesmo antes da patranha envolvendo Buffett.

Pedro Guimarães, presidente da Caixa e novo titular do conselho de administração da empresa, passou a tesoura em alguns bônus e informou que “queremos entender, no detalhe, essa questão”.

Bingo, pois nessa questão a essência estará nos detalhes. O golpe de espalhar boato para provocar a alta de uma ação é velho. A novidade estaria na exposição das minúcias, pois todos os çábios que fazem conferências fechadas para investidores ou assinam relatórios de análises para aquilo que chamam de “mercado” têm nome e sobrenome.

O caos na MP dos temporários
Em janeiro o governo descobriu que havia uma fila de 1,2 milhão de segurados do INSS à espera do pagamento de seus benefícios. Não tinham percebido, mas deixa para lá. Diante do problema, o presidente do INSS disse que “a seguir o atual fluxo, a atual produtividade do INSS, que tem demonstrado resultados positivos, sobretudo no último semestre de 2019, nós esperamos que nos próximos seis meses a situação esteja absolutamente regularizada”. Parolagem. Quatro dias depois, no cercadinho do Alvorada, Jair Bolsonaro anunciou a contratação de sete mil militares da reserva para cuidar do caso. Eles começariam o serviço no final de janeiro. (Duas semanas depois caiu o presidente do INSS.)

O governo reagiu pelo piloto automático: há um problema? Chamo os militares, anuncio um prazo e eles resolvem.

Para contratar, fosse lá quem fosse, seria necessário redigir uma Medida Provisória, coisa que pode ser feita numa tarde, desde que se saiba o que se quer. Janeiro acabou e fevereiro também. O governo levou um mês e meio para redigir a MP e quando ela veio à luz era outra coisa. Poderão ser contratados 8,2 mil servidores aposentados, civis ou militares. Além disso, servidores temporários poderão ser contratados para as filas do INSS, ou para qualquer outra coisa.

Como disse o secretário do Trabalho, “criamos um mecanismo que é moderno, que o mundo inteiro já tem.” É moderno, mas o mundo inteiro não o tem. O que seria uma MP virou uma profunda alteração no recrutamento de servidores. Ela poderia ter sido apresentada como o que é, abrindo um saudável debate. Feita com mão de gato, contaminou a proposta e mobilizou o sindicalismo do serviço público. A burocracia do Estado sabe cuidar dos seus interesses. Prova disso é que no INSS há um atendente para cada 3.100 segurados. Para a turma da Previdência do serviço público há um atendente para cada quatro clientes, sem fila.

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e acredita que resolveu dois problemas, o da comunicação do governo e outro, bem maior. Para a comunicação, o cretino acha que o capitão Bolsonaro deveria transferir para o comediante Márvio Lúcio dos Santos (com direito a faixa de seda verde-amarela) a função de porta-voz. Convenceu-se disso vendo seu desempenho no cercadinho do Alvorada, explicando o crescimento do PIB.

O outro problema, bem maior, Eremildo acredita que poderá ser resolvido dando-se amplos poderes ao juiz Dalton Conrado, da 5ª Vara Federal de Campo Grande. Ele determinou que Adélio Bispo, o cidadão que esfaqueou Jair Bolsonaro em 2018, seja retirado da penitenciária onde está e “internado em local apropriado ao cumprimento da medida de segurança, com estrutura, equipe técnica e medicamentos necessários ao tratamento da sua enfermidade mental”. Uma junta médica atestou que Adélio sofre de transtorno delirante persistente.

Eremildo acredita que se o magistrado tiver seu poderes ampliados, podendo determinar também a internação de quaisquer pessoas soltas, prestará um serviço à coletividade, desde que poupe os idiotas.

Giannotti
Está nas livrarias “Heidegger / Wittgenstein: Confrontos”, do filósofo José Arthur Giannotti. Foram quatro anos de trabalho diário, das oito da manhã às quatro da tarde. Numa época de debates rasteiros, Giannotti produziu uma daquelas obras que engrandecem a condição de intelectual. Apesar da prosa elegante, é um livro de leitura tão difícil como a pronúncia dos nomes dos filósofos Martin Heidegger e Ludwig Wittgenstein. Um, alemão, nazista e reitor da universidade de Freiburg. O outro, austríaco, nascido em família de fortuna, lecionou em Cambridge.

Rindo, Giannotti estima que talvez tenha cem leitores. Ele lidou com o nazismo de Heidegger com o distanciamento de um filósofo e a combatividade de um liberal. Fruiu “sua genialidade” e arrematou: “Durante a desnazificação, teve sua atividade de professor suspensa por um breve período: eu preferiria que tivesse sido obrigado a fazer visitas periódicas a Auschwitz”.

Lula e o Grande Satã
Durante sua passagem por Paris, onde recebeu o título de cidadão honorário da cidade, Lula escreveu o seguinte:

“Um dia vocês vão perceber que quase todos os conflitos no século 20 e 21 estão ligados ao petróleo. E que todos envolvem a atuação dos Estados Unidos.”

Um dia ele perceberá que andou dizendo bobagens. Nos séculos 20 e 21 os Estados Unidos entraram em sete guerras. Nos dois conflitos mundiais (1914-18 e 1939-1945) não havia petróleo. Nem na Coreia, muito menos no Vietnã (uma guerra que durou quase 20 anos).

Houve petróleo nas duas guerras do Golfo, mas não o há no Afeganistão.

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