Muita gente estrilou com a fundação da Lava Jato, como se fosse novidade
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) decidirá na quarta-feira a legalidade do contingenciamento de R$ 720 milhões do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Quem nunca ouviu falar nisso ganhou uma oportunidade para entender como o dinheiro da Viúva vira fumaça no alambique de leis e normas da burocracia. Em março, o desembargador Fábio Prieto botou o pé na porta com um voto que evitava a fuga desse dinheiro.
“Direito difuso” é a indenização que uma empresa deve pagar por ter lesado uma comunidade. Por exemplo: se uma pessoa compra um carro e ele tem um defeito, pode pedir indenização, mas se uma fábrica contamina o ar de uma cidade cria um direito difuso, pois não é possível ressarcir cada vítima.
Assim, quando o Conselho de Administração de Defesa Econômica, o Cade, condena essa empresa a pagar uma indenização, manda o dinheiro para um Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, FDDD. Desde 2011 ele arrecadou R$ 2,3 bilhões.
Até aí, foi fácil, pois a burocracia sabe tomar o dinheiro alheio. A dificuldade, ou a verdadeira facilidade, estava em dizer para onde iria o ervanário. De saída, a União mordeu a maior parte, pois reteve (em burocratês, contingenciou) R$ 2,3 bilhões. Liberou apenas R$ 43 milhões. O Congresso havia decidido que o dinheiro poderia ir para “qualquer outro interesse difuso”.
Transformou o difuso num concentrado para quem tivesse acesso ao cofre.
O dinheiro vai para entidades credenciadas pelo Conselho Gestor do FDDD, nominalmente dedicadas ao bem comum. Assim, uma fábrica mineira de rapaduras recebeu R$ 156 mil. Já uma associação de proprietários, artistas e escolas de circo do Ceará ficou com R$ 100 mil para cuidar da memória de seus espetáculos. Um projeto de construção de 5.000 cisternas em escolas do semiárido nordestino poderá vir a receber R$ 301 milhões.
Rapaduras, circos e cisternas refletem um compreensível interesse benemerente. Contudo outra parte do dinheiro destinou-se a financiar entidades não governamentais. Três delas receberam um total de R$ 1,1 milhão. Em duas, há membros do Ministério Público em suas diretorias.
Uma dessas entidades credenciadas para distribuir o dinheiro, o Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor, recebeu, por um caminho lateral, R$ 7,6 milhões para pagar aluguéis, impostos, comprar móveis, contratar funcionários e consultorias. Traduzindo: pelo menos R$ 8,7 milhões difusos, se concentraram na rede credenciada.
A liberação dos R$ 720 milhões, determinada por um juiz de Campinas, talvez explique a presença do ministro Sergio Moro na reunião de março do Conselho Gestor Fundo de Direitos Difusos. Nela, o doutor louvou a ação do Ministério Público que batalha pela liberação dos recursos.
Muita gente estrilou, com razão, quando estourou o caso da fundação arquitetada pelos procuradores de Curitiba para gerir R$ 1,2 bilhão, como se ela fosse uma novidade. Os direitos difusos dos contribuintes já foram usados para construir uma máquina muito parecida, capaz de pedir, a qualquer momento, R$ 2,3 bilhões. Por enquanto, querem R$ 720 milhões, metade do que queriam os doutores de Curitiba.
O que fazer? Botem todo esse dinheiro numa Kombi e deixem-no na porta da Receita Federal, nome de fantasia da velha Bolsa da Viúva.