Sete anos de pesquisas, com a consulta de 300 imagens, permitiram mostrar como foi construído o rosto que está em monumentos, quadros, cédulas, moedas e selos
Quando a vida voltar ao normal chegará às livrarias “Em busca de um rosto — A República e a representação de Tiradentes”, de André Figueiredo Rodrigues e Maria Alda Barbosa Cabreira. É uma valiosa pesquisa histórica, verdadeira viagem pela criação dos artistas que desenharam ou esculpiram o alferes e pela cabeça das épocas em que ele foi retratado. Ninguém sabe como era o rosto de Joaquim José da Silva Xavier. Vai daí, construiu-se uma imagem e, dependendo da época, ela muda. O Tiradentes mais conhecido está de bata, com os cabelos e a barba compridos. É uma licença poética, pois ele foi da cadeia ao patíbulo com a cabeça raspada.
Sete anos de pesquisas, com a consulta de 300 imagens, permitiram mostrar como foi construído o rosto que está em monumentos, quadros, cédulas, moedas e selos.
O primeiro Tiradentes, com barba, apareceu num busto de 1881, mas ele se perdeu. Um ano depois o abolicionista republicano Luiz Gama comparou-o a Jesus Cristo. Os martírios fundiram-se em 1890, num desenho de Décio Villares e no traço do grande jornalista Angelo Agostini, pai da “Revista Illustrada”. O Tiradentes de Agostini ecoa o “Cristo carregando a cruz” do pintor van Dyck (1599-1641). No desenho aparece, anexa, uma corda. E há ainda um corpo sem cabeça.
Visto que nada se sabe da fisionomia do alferes, a corda passa a ser um elemento revelador na construção de sua imagem. Com ela, é um revolucionário; sem ela, pode ser um mártir ou até um militar fardado. O traço de Agostini inspirou o escultor italiano Virgilio Cestari para esculpir o Tiradentes que desde 1894 está na Praça de Ouro Preto, com 2,85 metros de altura e corda no pescoço.
Noutra fusão, Pedro Américo pintou em Florença, em 1893, o seu magnífico “Tiradentes supliciado”. Lá estão a corda, o seu corpo esquartejado e, ao lado da cabeça, um crucifixo.
Em 1926, Francisco Andrade fez o monumento que está em frente ao Palácio Tiradentes, no Rio. A corda sumiu, e o condenado está numa posição quase penitente, com as mãos sobre o peito.
Em 1963, a fisionomia do Tiradentes de Agostini foi (sem corda) para a cédula de cinco mil cruzeiros, mas no verso o condenado está diante do carrasco Capitania. Hoje ele aparece na moeda de cinco centavos, sem corda, com a barba que não tinha quando foi enforcado.
O historiador André Figueiredo Rodrigues já publicou um minucioso trabalho sobre o patrimônio dos inconfidentes. Nos próximos anos, publicará o resultado de suas pesquisas sobre Joaquim Silvério dos Reis. Vale a pena esperar, pois tudo indica que a República, tendo criado um Cristo (Tiradentes), precisou criar um Judas: Silvério, como se ele tivesse sido delator da conspiração. Não foi bem assim.
Maia deu um basta aos planos de saúde
Deve-se ao deputado Rodrigo Maia a trava imposta aos planos de saúde que tentavam aumentar as suas mensalidades em até 20% num país onde uma pandemia já matou mais de 110 mil pessoas. Algum dia será contada direito a voracidade das operadoras. Começaram se recusando a refrescar a vida dos inadimplentes, vá lá. Em seguida, tentaram negar cobertura para testes sorológicos e se livraram dessa despesa por alguns meses. Tudo isso se movendo no escurinho de Brasília.
Na semana passada, elas começaram a cobrar reajustes de até 25%. Com a crise, essas empresas perderam 400 mil clientes, mas uma série de circunstâncias permitiu que aumentassem seus lucros. Uma grande operadora lucrou 150% acima do mesmo período do ano anterior. A essa bonança somou-se uma queda da inadimplência. Mesmo assim, tiveram autorização da Agência Nacional de Saúde para empurrar os reajustes.
Maia travou a tunga com um basta: “Aumentar um plano em 25% é um desrespeito com a sociedade.” Ameaçou votar na terça-feira um projeto que proíbe o tasco. Numa época em que o Legislativo está debaixo de chumbo, o presidente da Câmara mostrou que às vezes ele é a última trincheira para a defesa dos interesses da sociedade.
Com suas complexas e astutas conexões, as operadoras de planos de saúde sempre mostram que podem muito. Felizmente, não podem sempre.
Bannon
Steve Bannon, o guru de Donald Trump e inspirador dos Bolsonaro, foi preso, acusado de ter metido a mão no dinheiro de doadores que colaboraram para a campanha pela construção de um muro na fronteira dos Estados Unidos com o México.
Bannon superou os larápios latino-americanos e os sobas da África. Nesses casos, avançam sobre dinheiro do Erário. O ideólogo da Nova Direita avançava sobre doações de gente que pensa como ele. Bem feito.
Zona de perigo
Não é só o governador Wilson Witzel (Rio) quem está com a cabeça a prêmio.
Ele rala um processo de impedimento e poder vir a ser assombrado por novas revelação e diligências.
Os governadores Carlos Moisés (Santa Catarina) e Wilson Lima (Amazonas) precisam de bons advogados para defendê-los no Superior Tribunal de Justiça.
Nos três casos, as administrações dos doutores estão metidas em malfeitorias relacionadas com o dinheiro que deveria ter ido para o combate à pandemia e pode ter ido para os bolsos de espertalhões.
Os dossiês de Mendonça
O melhor que pode acontecer com os dossiês do ministro André Mendonça é a sua exposição à luz do sol, o melhor dos detergentes.
Noves fora as questões legais, a exposição do conteúdo dessas arapongagens permitirá que se avalie a qualidade de suas informações.
Quem apostar que reúnem banalidades temperadas com insinuações e comentários destinados a agradar as chefias, ganhará um dinheiro fácil.
Em 1975, os serviços de inteligência resolveram estudar o livro “Autoritarismo e democratização”, do professor Fernando Henrique Cardoso, “reconhecidamente comunista”, segundo um dossiê do Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa). Até aí, tudo bem, pois até hoje há pelo menos um general (da reserva) que garante isso.
O livro de FH foi analisado por quatro braços da inteligência da ditadura: a Secretaria de Segurança de São Paulo, o Cisa, o Serviço Nacional de Informações e a Polícia Federal. Todos acusavam FH de “instigar a violência”. O exame desses pareceres permite afirmar que o SNI, o Cisa e a Federal fizeram um trabalhoso “copia e cola” em cima do texto da secretaria paulista.
Petrobras tucana
Na sua 72ª fase, a Lava-Jato voltou às malfeitorias praticadas na Petrobras.
Nas 71 etapas anteriores ela se concentrou nas atividades do comissariado petista. Desta vez, estão diante de uma oportunidade para conhecer o que acontecia por lá durante uma parte do mandarinato tucano.
O jogo de licitações viciadas e aditivos milionários começou bem antes. A escala era menor, mas a metodologia era a mesma.