Em 13 meses, Jair Bolsonaro conseguiu um prodígio de desarticulação política, implodiu seu partido, não criou outro e demitiu colaboradores imediatos
A incontinência da retórica política dos Bolsonaro, do general da reserva Augusto Heleno e até mesmo do ministro Paulo Guedes indica que eles cultivam um conflito institucional. Pelos seus sonhos, com o Congresso, mas na falta dele qualquer coisa serve. Com 12 milhões de desempregados, “pibinho”, filas nas agências do INSS, motins de PMs e encrencas com milicianos, busca-se uma briga.
Há um ano tudo parecia fácil, de um lado estaria um presidente cacifado por 58 milhões de votos e do outro, um Congresso de crista baixa. Em 13 meses, Jair Bolsonaro conseguiu um prodígio de desarticulação política, implodiu seu partido, não criou outro e demitiu colaboradores imediatos, entre os quais seis generais da reserva. Trocou um ministro da Educação delirante por outro, desastroso. Defenestrou o presidente do BNDES, o secretário da Receita e dois presidentes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
No endinheirado FNDE ainda falta saber quem preparou um edital para a compra de 1,3 milhão de computadores, notebooks e laptops ao custo de R$ 3 bilhões. A CGU apontou o vício do certame e ele foi revogado, mas jabuti não sobe em árvore. Como disse o presidente há poucos dias, “nossa luta contra a corrupção continuará sendo forte, fazendo o possível pelo Brasil melhor”. Faça-se.
Um governo pode viver das brigas que inventa (basta olhar para Donald Trump), mas elas não o livram de encarar os problemas cotidianos da administração. Nesse departamento, Bolsonaro vai devagar, quase parando.
A turma que está em Brasília a fim de arrumar uma briga pode estar perdendo seu tempo. Dois governos armaram cenários que desembocavam em golpes e foram bem-sucedidos. O de Costa e Silva, em 1968, e o de Getulio Vargas, em 1937. Ambos tinham conjunturas internacionais radicalizadas. Vargas enfrentara uma insurreição militar em 1935. Costa e Silva estava diante de um surto terrorista e deixou-se boiar numa provocação palaciana que criou o conflito com o Congresso. A Bolsonaro e aos seus cavaleiros do Apocalipse ainda faltam todos esses ingredientes. As ruas estão em paz e, hoje, em festa. Quarta-feira abre-se a quitanda e continuarão lá os PMs dispostos a se amotinar, bem como os milicianos.
Os golpes bem-sucedidos são sempre lembrados, mas aprende-se também com aqueles que fracassam. Em 1984, quando Tancredo Neves estava virtualmente eleito (indiretamente) para a Presidência, armou-se no invencível Centro de Informações do Exército (CIE) uma provocação venenosa. Pediram-se soldados ao Comando Militar do Planalto para colar em paredes de Brasília cartazes vermelhos, com a foice e o martelo, a sigla PCB, uma figura de Tancredo e o slogan: “Chegaremos Lá”. Ia tudo muito bem até que a polícia prendeu os soldados, e o carro do CIE que lhes daria cobertura escafedeu-se. Exposta a provocação, fez-se silêncio, até que na reunião do Alto Comando do Exército o general que comandava a tropa do Rio perguntou o que tinha sido aquilo. “Gente do meu gabinete, não foi”, respondeu o ministro. O general Newton Cruz, comandante do Planalto, estava na reunião e viria a contar: “Senti um frio na espinha. O CIE era um anexo do gabinete dele. Se não tinham sido eles, tinha sido eu.”
Não tinha, mas acabou sendo. A tropa era dele, porém a operação era do CIE. Nas semanas seguintes fritaram Newton Cruz, negando-lhe a promoção, e ele passou para a reserva, transformado em bode expiatório de todas as bruxarias.
Chefe militar
Em janeiro de 1961 a Assembleia Legislativa de São Paulo negou um aumento ao Corpo de Bombeiros e à Polícia Militar (Força Pública, na época). Amotinados, eles hastearam uma bandeira preta no alto de uma escada Magirus do quartel da Praça Clóvis Beviláqua. Uma tropa mandada para controlá-los insubordinou-se.
No dia seguinte, amotinados seguiram em passeata e cercaram portões do Palácio dos Campos Elíseos, onde vivia o governador.
O comandante da 2ª Divisão de Infantaria chegou acompanhado de um major e, empunhando seu bastão de general, informou: “Isso é uma baderna. Será dissolvida a bala. Pensem nos seus filhos.” Logo depois veio sua tropa, com blindados.
O que havia sido uma passeata virou coluna em marcha, cantando o Hino Nacional em direção à cadeia. Foram indiciados 513 policiais.
O general chamava-se Arthur da Costa e Silva. Antes de chegar à Presidência da República, fizera fama como chefe militar, daqueles que comandam sua tropa.
(Em tempo: os amotinados ganharam uma anistia do Congresso, pedida pelo então deputado Ulysses Guimarães.)
Constitucionalismo
Não existe parlamentarismo branco, nem verde e rosa. O que existe, às vezes, é presidencialismo sem cor.
Servidores
Depois dos “parasitas”, surgiu uma nova categoria de funcionários públicos: os “servidores simples”. Ela foi criada pelo doutor Nabhan Garcia, secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura.
Ele falava numa audiência pública (repetindo, pública) em Marabá, quando uma geógrafa do Incra questionou-o sobre a lentidão dos processos de regularização de terras.
“A senhora parece não conhecer de hierarquia. Como uma servidora simples, não dá para vir aqui questionar a instituição.” Dá, doutor. A audiência era pública e, antes de ser funcionária, a geógrafa é uma cidadã.
Nabhan Garcia ganha dez hectares de terras queimadas se conseguir explicar o que vem a ser uma “servidora simples”.
O grampo da CIA
Para que a história do grampo da CIA nas comunicações cifradas do governo brasileiro não fique esquecida:
Sem dúvida as máquinas de código usadas pelo Itamaraty eram da empresa suíça Crypto, da qual eram sócios a Central Intelligence Agency e o serviço de informações de Alemanha.
Professores brasileiros contratados pelo Itamaraty e pelo Serviço Nacional de Informações decifraram o funcionamento das máquinas e passaram a ler mensagens secretas de outros governos. Nas palavras de um deles: “Durante a Guerra das Malvinas em 1982, o presidente João Figueiredo lia as mensagens argentinas antes que elas chegassem ao seu colega, o general Leopoldo Galtieri.”
Em 1994, o embaixador Roberto Abdenur chefiou uma equipe que negociou com diplomatas americanos. Posteriormente, um deles escreveu um livro e narrou ações da delegação brasileira, citando relatos e comentários enviados por Abdenur em seus telegramas cifrados. O negociador americano era Richard Feinberg, que nos anos 1970 batalhava na causa dos direitos humanos durante o governo do presidente Jimmy Carter.
Detalhe para quem gosta de histórias do gênero: pela lembrança de quem trabalhou para trocar as máquinas da Crypto, elas devem ter sido recolhidas em 1983. O grampo seria outro.