O repórter Ancelmo Gois contou: o ministro Paulo Guedes caminhava pela orla do Leblon quando foi interpelado por alguns cidadãos. Nada como o que acontecia a ministros petistas em restaurantes, mas, compreensivelmente, ele se incomodou: “Na terceira abordagem como essa, eu largo tudo e vou embora. Aí vocês vão ver o que é bom, como é que fica.”
Dias depois, o secretário da Receita, Marcos Cintra, foi defenestrado. Essa era uma pedra cantada, pois o doutor era um monotemático defensor de uma nova CPMF, mesmo sabendo que o presidente da República detestava a ideia. O chamado “mercado” fingiu acreditar que o episódio estava circunscrito a essa divergência, mas o problema ia muito além. Guedes também foi um defensor do imposto sobre transações e sabia há meses que essa girafa não passa no Congresso. Até aí, nada demais, desde que o “Posto Ipiranga”, além de vender a gasolina da CPMF, venda também diesel, etanol, aditivos, refrigerantes e Aspirinas.
Só Guedes sabe o tamanho do seu desconforto, mas a pior coisa que pode acontecer a uma economia sonâmbula é uma explosão de posto de gasolina, porque irá junto o quarteirão: “Aí vocês vão ver o que é bom, como é que fica.”
Fica ruim, mas foi Guedes quem se amarrou em convicções inviáveis (a CPMF) e promessas visionárias (zerar o déficit primário ao fim deste ano).
As calçadas do Rio têm história. Guedes rogou sua praga a poucas centenas de metros das areias onde, num fim de semana de agosto de 1979, apareceu a alva figura do professor Mário Henrique Simonsen, que acabara de se libertar do Ministério da Fazenda do general João Baptista Figueiredo.
Simonsen nunca ameaçou. Avisou que ia embora no dia 2, chamou o caminhão da mudança, demitiu-se no dia 9, tomou o avião e foi para a praia.
Essa é a liturgia da saída, mas desde que o país voltou à democracia, sabe-se que a questão está sobretudo na liturgia da entrada de um novo ministro. Paulo Guedes é o 20º ministro da Economia desse período. Três deles foram marcantes (Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan e Antonio Palocci).
Somados, ficaram 12 anos na cadeira. Dos 17 outros, alguns tinham uma perigosa característica: pouca biografia para o cargo e muita confiança pessoal do presidente que os escolheu. É aí que mora o perigo. Ao mandatário, pareciam a melhor solução para a hora, sobretudo porque não lhe trariam maiores problemas. Basta olhar para trás e lá está a ruína que produziram.
A ideia segundo a qual os ministros são sábios que sabem fazer contas é uma lenda urbana. Para ficar num exemplo estrangeiro e passado, durante alguns anos da Depressão dos anos 30 o mundo parecia estar nas mãos dos três gênios que comandavam as economias de Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha.
O único que tinha a cabeça no lugar era o nazista Hjalmar Schacht. O americano Benjamin Strong estava mal de saúde, pendurado em doses de morfina. O inglês Montagu Norman achava que tinha o poder de atravessar paredes. Doidos existem, e conseguem ser convincentes, sobretudo quando do outro lado do balcão está alguém que se sente pressionado por maus números e pela falta de projeto. Nessa hora, tentam-se até rezas ou poções.