Desde a chegada da pandemia, assombrado pelo medo de que seu governo possa acabar, Bolsonaro cultiva um radicalismo delirante
Os eleitores de Jair Bolsonaro viveram o suficiente para ver o ex-juiz Sergio Moro lembrando que durante a Operação Lava-Jato a presidente Dilma Rousseff não procurou intervir nas investigações que corroíam seu governo. Isso na mesma fala em que denunciou a interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal e o uso essencialmente fraudulento de sua assinatura eletrônica na exoneração “a pedido” do delegado Maurício Valeixo. A pedido de quem?
Formalmente, Moro pediu demissão. No mundo real, ele foi expulso do governo por Jair Bolsonaro. O ministro procurou negociar a substituição de Valeixo, mas esse caminho foi bloqueado no escurinho de Brasília. Sua saída agrava uma crise que Bolsonaro deliberadamente estimula.
Desde a chegada da pandemia, assombrado pelo medo de que seu governo possa acabar, Bolsonaro cultiva um radicalismo delirante. Demitiu o ministro da Saúde, foi para o portão do QG para estimular golpistas, apadrinhou uma mirabolância econômica que transforma o ministro Paulo Guedes em adereço de passista. Se tudo isso fosse pouco, avançou na jugular de Sergio Moro.
O repórter Gerson Camarotti sintetizou a conduta de Bolsonaro: ele entrou no “modo desespero”. Isso existe. Bernard Madoff era visto como um mago da finança americana e havia presidido a bolsa de tecnologia de Nova York. Em 2001, seu fundo de investimentos, um negócio de US$ 65 bilhões, rendia 10% ao ano, alegrando granfinos, inclusive alguns brasileiros. Era tudo mentira e sua explosão, questão de tempo. Ele passou a torcer para que o mundo acabasse. Assim ninguém saberia que ele era um vigarista. No dia 11 de setembro de 2001 ele viu o atentado da torres gêmeas e aliviou-se: “Ali poderia estar a saída”.
Não estava. Ele foi apanhado anos depois e está na cadeia, cumprindo uma pena de 150 anos de prisão. Um de seus filhos matou-se e todos os seus bens foram a leilão, inclusive os chinelos.
Num país assolado pela pandemia e por uma recessão econômica, assombrado e dispersivo, Jair Bolsonaro sonha com o fim do mundo.
O pandemônio presidencial
Paulo Guedes, o poderoso Posto Ipiranga, disse que seu projeto foi atingido por um “meteoro”. Tinha razão, mas depois do meteoro da Covid-19 veio o Pró-Brasil, uma fantasia de R$ 30 bilhões de investimentos que criaria um milhão de empregos e duraria dez anos. Guedes honrou o evento com sua ausência.
Para um ex-aluno da Universidade de Chicago, Guedes vive um pesadelo ao ouvir gente dizendo que o Pró-Brasil é um “Plano Marshall”. Quem acha isso confunde guindaste com girafa. O chefe da Casa Civil condenou o paralelo, mas infelizmente não conseguiu detalhar o plano.
Noutra analogia, o programa seria comparável ao “New Deal” americano dos anos 30 do século passado. Para isso, seria necessário colocar no mesmo pódio Jair Bolsonaro (que extinguiu o Ministério do Trabalho) e o presidente Franklin Roosevelt, que redesenhou as relações trabalhistas americanas. Quem quiser brincar de “New Deal” em Pindorama, deve saber que o presidente americano criou uma Previdência Social que ampara todos os cidadãos. Aqui há 40 milhões de invisíveis.
O Pró-Brasil é também uma vaga prestidigitação econômica. Os doutores falaram em investimentos do setor privado no mesmo dia em que o secretário de Desestatização revelou que não cumprirá sua meta de privatizações. O setor privado nacional está asfixiado e o internacional precisa ser convencido a investir num país governado por um negacionista que flerta com a quebra da ordem constitucional.
Atingido por uma crise que não provocou, Paulo Guedes está agora num governo que pretende desfilar o Pró-Brasil em ritmo de samba, enquanto ele continuará a dançar sua valsa na comissão de frente.
O Pró-Brasil é um neto torto do II Plano Nacional de Desenvolvimento, de 1975. Quando perguntaram ao então ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen o que ele achava do PND, publicado num livrinho de capa azul, ele foi breve: “Não leio ficção”.
Ninguém se incomodou porque sabia-se que era verdade.
Receita de ruína
Governos que não tiveram um ou mais generais no Planalto estrelando espetáculos foram estáveis e, às vezes, bem-sucedidos. A saber: os governos de Lula, Fernando Henrique, José Sarney e Emílio Médici. Todos tiveram chefes militares no comando do Exército.
Dois governos desastrosos tiveram generais buliçosos no palácio. A saber: as presidências de João Figueiredo e Costa e Silva.
Isso, deixando-se de lado o governo de João Goulart, com o poderoso “dispositivo militar”do general Assis Brasil.
Digital
Pode ter sido coincidência, mas a técnica de manifestação em frente a um quartel tem a digital do capitão Jair Bolsonaro.
Em 1992 ele era deputado e foi para o portão da Academia Militar das Agulhas Negras no dia da cerimônia de entrega dos espadins aos aspirantes. Pretendia distribuir panfletos aos convidados.
A bagunça foi contornada quando o comando mandou o major Luiz Eduardo Ramos negociar com Bolsonaro para que ele se distanciasse do portão.
Ramos, que hoje é ministro do capitão, rememorou o episódio para a repórter Maria Cristina Fernandes:
“Estava em uniforme de gala, mas subi na moto e fui encontrá-lo. ‘P… Jair, aqui não dá’. (…) Jair, me ajuda, eu recebi uma ordem. (…) Aí consegui que ele continuasse a distribuir os panfletos, só que em outro lugar que não ficava no caminho das autoridades. Todo mundo feliz e não deu mais problema.”
Não deu problema, naquele dia.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e acredita que se Bolsonaro entregar ao centrão as arcas da Funasa e do FNDE, a parlamentares da estirpe do notório Valdemar Costa Neto, eles honrarão seus compromissos.
O cretino empolgou-se com o grito de guerra do presidente na porta do QG do Exército: “Acabou a época da patifaria”. O que ele não entende é por que ainda não se sabe quem fez o edital de agosto passado do FNDE pretendendo comprar 1,3 milhão de computadores, notebooks e laptops para a rede pública de ensino a um custo de R$ 3 bilhões.
A Advocacia-Geral da União mostrou que o certame parecia viciado e que os 250 alunos de uma escola de Minas Gerais ganhariam 30 mil laptops. Outros 355 colégios receberiam mais de um equipamento para cada estudante. A licitação foi suspensa em setembro e cancelada em outubro.
Os mecanismos de controle da Viúva funcionaram, mas a patifaria persiste, porque até hoje não se revelou quem (e por quê?) botou o jabuti na forquilha.
Eleição
A eleição municipal de outubro poderá ser adiada para novembro ou dezembro.
Uma coisa é certa, ela acontecerá neste ano.
Os interessados na prorrogação dos mandatos dos prefeitos devem tirar o cavalo da chuva.