Elio Gaspari: A dissimulação do general Mourão

Vice de Bolsonaro disse que sua teoria da maldição das raças deriva do seu orgulho pela miscigenação. Falso.
Foto: Agência Brasil
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Vice de Bolsonaro disse que sua teoria da maldição das raças deriva do seu orgulho pela miscigenação. Falso

O general Hamilton Mourão expôs em Caxias do Sul sua teoria da formação da identidade nacional a partir do gosto dos portugueses pelas sinecuras, da indolência do índio e da malandragem dos africanos. Pegou mal e no dia seguinte ele se explicou:

“Não sou racista, muito pelo contrário. Tenho orgulho da nossa raça brasileira. O que eu fiz foi nada mais nada menos que mostrar que nós, brasileiros, somos uma amálgama de três raças, a junção do branco europeu com o indígena que habitava as Américas e os negros africanos que foram trazidos para cá. (…) Somos a junção desses três povos, com as coisas boas e ruins que eles têm, sem colocar estigma em nenhum deles.”

Teria sido mal-interpretado: “O que acontece é que as pessoas pinçam determinadas frases e querem retirar do contexto em que foram colocadas.”

Coisa desses malditos jornalistas.

Mourão não é a única pessoa que atribui a uma mítica herança do passado as desgraças do presente. Cada um tem direito de achar o que quiser, mas a explicação do general, atribuindo o mal-estar a uma pinçagem foi um exercício pueril de dissimulação.

Em dezembro do ano passado, durante uma palestra, o general Mourão expôs a sua teoria das raças com mais precisão. O vídeo está na rede. Foi uma fala articulada, o general estava fardado e seguiu um roteiro ilustrado por transparências. No 43º minuto, ao concluir, anunciou:

“E aqui, minha gente, existe a maior de todas as reformas, que é a reforma moral, em cima dos valores da sociedade, a reforma cultural. Nós carregamos dentro de cada um, uma herança cultural tripla. Nós temos a herança cultural ibérica, que é a do privilégio e da sinecura. Todo mundo quer se dar bem. Temos a herança cultural indígena, que é a da indolência. É o índio deitado na rede e a mulher cavando lá, carregando filho. E temos a herança cultural africana que é a da magia. Vai dar certo, vai dar tudo certo. A malemolência, o samba. Nós somos melhores. A embaixadinha. Nós temos que romper esse ciclo. Essa é a realidade.”

A realidade é que o general não se orgulha de coisa alguma. Pelo contrário, seriam vícios que exigem uma “reforma moral”.

Gilberto Freyre orgulhava-se do amálgama da formação do brasileiro, já o conde Gobineau, o embaixador francês no Brasil durante o Segundo Império, previa que a miscigenação provocaria o colapso da sociedade brasileira ainda na primeira metade do século 20. Mourão está mais para Gobineau do que para Gilberto Freyre.

Entre os defeitos que Mourão atribuiu a portugueses, índios e negros, ele não incluiu a dissimulação. Certamente há portugueses, índios e negros dissimulados, mas isso não caracteriza os conjuntos. O dissimulador é apenas um dissimulador, quer seja português, índio, negro, chinês ou ucraniano.

ALCKMIN E CIRO SE DERAM BEM NA BAND
Quem viu as entrevistas de Jair Bolsonaro no Roda Viva e na GloboNews achou que no debate da Band ele teria uma oportunidade preciosa. Sem tempo no horário gratuito de televisão, Bolsonaro estaria em igualdade de condições com os rivais. Perdeu-a, não pelo que disse, mas porque disse o mesmo de sempre.

Quando foi colocada a questão da segurança pública, Geraldo Alckmin expôs as estatísticas do seu governo em São Paulo (a queda dos homicídios anuais de 13 mil para 3.000), Bolsonaro sacou a conveniência de armar os cidadãos e condenou as leis que protegem os direitos humanos.

Pela primeira vez Bolsonaro esteve diante de interlocutores que não queriam alvejá-lo com uma bala de prata. Com sua monotonia, Alckmin, amarrado às limitações do tempo, acabou sendo favorecido. Afinal, em um minuto não cabem dez estatísticas embutidas em platitudes.

Diante de uma pergunta sobre educação, Bolsonaro louvou os êxitos das escolas militarizadas. Ciro Gomes respondeu com a eficácia do sistema educacional do seu estado. A cordialidade de Ciro levou Bolsonaro a uma tréplica gentil, mas tudo o que ele tinha a oferecer era a construção de uma megaescola militar em São Paulo, no Campo de Marte. E o pessoal do seu Vale do Ribeira, que fica a 358 km, vai para onde?

Ciro e Alckmin foram a um debate, Bolsonaro foi a mais uma entrevista.

TUNGA
Um brasileiro que sabe fazer contas jura que queria trocar US$ 100 no guichê do banco Safra da área de desembarque do aeroporto de Guarulhos e disseram-lhe que receberia R$ 250.

O dólar estava cotado a R$ 3,70.

A turma do Safra informa que nada tem a declarar. Talvez o Banco Central tenha.

Eremildo, o idiota, aceita ficar ao lado do guichê do Safra oferecendo R$ 3 por cada dólar, mas se fizer isso, vai preso.

CHAPA ESTREITA
Lula estreitou o alcance da chapa do PT ao colocar Manuela D’Ávila, do Partido Comunista do Brasil, na chapa encabeçada por Fernando Haddad.

Ele sabe que prevaleceu em duas eleições quando ampliou-a, colocando na sua vice o empresário José Alencar.

URUCUBACA
Numa malvadeza do calendário, o ministro José Antonio Dias Toffoli foi eleito para a presidência do Supremo Tribunal Federal no mesmo dia em que o pretório excelso decidiu por 7 x 4 pedir ao Congresso umaumento de 16,38%. Cada eminente ministro pretende receber R$ 39,3 mil mensais.
Toffoli votou a favor do mimo e disse o seguinte:

“Não se está encaminhando para o Congresso um acréscimo ao orçamento do Supremo. Está se encaminhando uma previsão para uma recomposição remuneratória parcial de 2009 a 2014. Não se está tirando de saúde, de educação. Está-se tirando das nossas despesas correntes, dos nossos custeios.”

De duas uma, ou Toffoli não sabe que o aumento dos ministros do Supremo desencadeia um efeito cascata que pode custar entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões à Viúva, ou sabe e acha que a choldra é boba.

Tomara que ele acredite na segunda hipótese, pois se o novo presidente do Supremo não sabe como funciona o teto dos salários dos servidores, sua presença na cadeira é uma ameaça à ordem pública.

MADAME NATASHA
Madame Natasha criou uma operadora de plano de saúde vocabular para atender incorrigíveis malbaratadores do idioma. Seus primeiros clientes serão a Agência Nacional de Saúde e as empresas que lidam com ela.

A ANS chama de “expostos” os “beneficiários cujo risco está efetivamente coberto pelo plano”.
Chamar os clientes das operadoras de “beneficiários” já é uma impropriedade. Eles são fregueses e, muitas vezes, vítimas. Chamá-los de “expostos” é um insulto. Durante o período colonial, “exposto” era o recém-nascido colocado na roda dos enjeitados, para abandoná-lo ao cuidado de instituições de caridade.

Em alguns casos, os “expostos” eram bebês que as mães não conseguiriam criar. Em outros, crianças cuja maternidade as mães queriam esconder. Esse foi o caso do futuro padre Diogo Feijó, que governou o Brasil de 1835 a 1837. Ele era filho de uma jovem solteira da poderosa família dos Camargo.

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