PD #48: A reforma que não pode deixar de ser feita

Se o leitor pensa que vou falar de reforma da previdência ou trabalhista está enganado. Não pelo fato das duas não serem relevantes, são. Embora não necessariamente da forma como estão, uma, proposta, e a outra, aprovada. Quero falar de uma reforma que apenas começa a adentrar o centro de debate político, E, por estar até ontem, na penumbra, arrisca trazer surpresas muito desagradáveis para o país. Tudo o que se faz nas madrugadas no Congresso Nacional caminha em sentido contrário aos interesses nacionais e servem para proteger interesses nem sempre pronunciáveis.
Foto: Lula Marques/AGPT
Foto: Lula Marques/AGPT

Se o leitor pensa que vou falar de reforma da previdência ou trabalhista está enganado. Não pelo fato das duas não serem relevantes, são. Embora não necessariamente da forma como estão, uma, proposta, e a outra, aprovada. Quero falar de uma reforma que apenas começa a adentrar o centro de debate político, E, por estar até ontem, na penumbra, arrisca trazer surpresas muito desagradáveis para o país. Tudo o que se faz nas madrugadas no Congresso Nacional caminha em sentido contrário aos interesses nacionais e servem para proteger interesses nem sempre pronunciáveis.

Por Elimar Pinheiro
Revista Política Democrática #48

Partilho da proposição de que uma reforma politica é imprescindível, mas este Congresso não tem a legitimidade de realizar a reforma estrutural que o país exige, devendo-se ater a uma reforma minimalista, presa às normas eleitorais. Não se pode escolher nossos próximos representantes com base em uma legislação que não tem dado resultados positivos e sofre o repúdio, senão da maioria, de uma grande parte da opinião pública. Portanto, mudanças devem ser adotadas para ampliar a legitimidade de nossas instituições políticas, que tendem a se esfarelar cada vez mais no embate das corporações diversas em que se divide o Brasil, e a se desfazer em meio ao furacão dos escândalos de corrupção, que ainda não estagnaram. Cunha, Palocci, Funaro, Mantega, entre outros, estão aí para não me deixarem mentir.

Sei que a questão é complexa, e existem dezenas de propostas e pontos de vista a respeito, além de algumas teorias sofisticadas a partir das experiências internacionais. Sei também que não existe sistema eleitoral perfeito. Qualquer modelo tem suas vantagens e desvantagens. Se tivéssemos mantido o sistema dos anos 1950/1960, quando votávamos em presidente e vice, separadamente, teríamos hoje uma situação distinta, porque o vice teria sido também eleito. E, portanto, revestido de legitimidade, como ocorreu com Jango Goulart. É possível até que nem fosse o Temer.

Sei também que não podemos nos calar em face do que se prepara no Congresso. Ideias estapafúrdias e oportunistas como a adoção de uma lista partidária para o eleitor votar, na qual se esconderão os corruptos de todos os quilates ou a impossibilidade de prisão para um candidato oito meses antes das eleições ou ainda um fundo eleitoral, exorbitante, quase 4 bilhões de reais, em que o contribuinte estará dando recursos para partidos com os quais não concorda. Normas que, se aprovadas, conservarão o caráter nocivo da atual representação parlamentar.

Pontos
Portanto, vou abordar alguns poucos pontos que não poderiam ficar de fora nas mudanças necessárias para as próximas eleições, partindo de algumas mazelas mais ou menos bem conhecidas. Muitos outros pontos não serão contemplados, seja porque não é o caso de uma mudança profunda, seja porque ocuparia demasiado espaço abordar todos.

Em primeiro lugar nosso sistema eleitoral é caro. Muito caro. Este é o seu principal problema. E, por ser desta natureza, convida a prática do Caixa 2, ilegal e ilegítima, permitindo a corrupção generalizar-se. Além de solapar o processo de escolha dos representantes e desvirtuar os resultados eleitorais com a intervenção do poder econômico. Assim, cria um espaço habitado de forma proeminente por atores moralmente espúrios, repleto de desvios. O que é estranho. Afinal, salvo uma organização criminosa, nenhuma outra tem, nem perto, cerca de cinquenta por cento de seus membros contraventores, como o Congresso Nacional.

Por que isso ocorre? Porque o alto custo das eleições convidam à contravenção, facilitam e quase obrigam os participantes do campo político a adotarem práticas ilegais. Por isso, é imprescindível mudar as regras para baratear o processo eleitoral e, dessa forma, atrair atores que não estejam apenas interessados em fazer negócios, e se enriquecer, ou que sejam obrigados a servir interesses econômicos estranhos e, por vezes, escusos.

Baratear o processo eleitoral é a primeira tarefa de uma mudança no processo eleitoral. E de onde provém os custos elevados de nossas eleições? Entre suas causas duas se destacam: o alto custo de produção da mídia nas rádios e, sobretudo, na TV; e, o vasto território da disputa eleitoral. A reforma tem, portanto, como primeiro objetivo eliminar os programas eleitorais obrigatórios na TV, com toda sua parafernália conhecida e enganosa. Apenas debates entre os candidatos, regulados pelo Tribunal Superior Eleitoral, seriam permitidos. Mas, sendo permitido o programa de propaganda partidária, gratuita, no rádio, que é de pequeno custo.

Ora, como então os eleitores podem se informar a respeito dos candidatos, quando eles são centenas no caso de deputados? O fim do programa gratuito na TV não os atinge, pois eles apenas têm tempo de dizer: “Meu nome é Eneas”. Aqui vem a segunda parte do barateamento das eleições: a redução do território. Por que um deputado tem que ser eleito por todo o Estado? Por que estes não são divididos em circunscrições eleitorais que variam de 2 a 5 vagas? Por exemplo, se o DF tem 8 deputados federais, posso reduzi-lo a duas ou quatro circunscrições, no caso de São Paulo entre 14 e 35, e assim por diante. Por outro lado, posso obrigar cada partido a apresentar apenas candidatos conforme o número de vagas naquela circunscrição, sendo eleitos os mais votados. O resultado é um número reduzido de candidatos para cada eleitor escolher, e um forte debate interno nos partidos para a escolha de seus candidatos. Com poucos candidatos reduz-se a “poluição eleitoral”, na qual o eleitor tem que escolher entre centenas de candidatos. O que permite um bom conhecimento das opções, ao mesmo tempo que os candidatos poderão se locomover com menores custos, utilizando meios mais baratos para dar a conhecer suas propostas.

Custos
Sem custos em TV e com território reduzido, os custos eleitorais deverão cair para bem menos da metade. E, muito provavelmente, sem prejuízo para a informação do eleitor. Claro que há também desvantagens. Afirma-se que certos tipos de candidaturas ficariam inviáveis. É discutível. Talvez até possível, mas dependerá muito do tamanho da circunscrição. Os ganhos serão, no entanto, maiores, pois haverá o ingresso de pessoas na política com outros interesses e compromissos que não a ilicitude. Afirma-se ainda que um partido poderia estar em segundo lugar em várias circunscrições sem qualquer representante. E, outro, que se apresentou na metade das circunscrições do anterior, ter um ou dois representantes eleitos. É possível. Mas, como se disse anteriormente, não há sistema perfeito. Em qualquer um teremos vantagens e desvantagens. Estou convencido hoje em dia que barateando o processo eleitoral teremos um outro corpo de representantes, mais próximo do eleitor e com menos desvio provocado pela intervenção do poder econômico.

Esse sistema, por sua vez, evita um segundo mal de nosso processo eleitoral: votar em um candidato e eleger outro, graças a coligações. Neste caso, não existiria. Cada partido teria seus candidatos e os eleitos seriam os mais votados em cada circunscrição. O eleitor, assim, terá o seu voto respeitado, e reconhecido. Apenas a nível majoritário seria permitido coligações, mas sem consequências no tempo de TV, como ocorre hoje, porque este não existiria.

O segundo problema é o financiamento. Não é problema fácil e os exemplos do mundo mostram normas distintas. Em alguns países as empresas podem contribuir, em outros não. Em alguns existe fundo partidário, em outros não. Sugiro distinguir dois casos. Nas eleições parlamentares (Câmara de Vereadores, de Deputados Estaduais ou Federais) e de prefeitos o financiamento seria de doações individuais de pessoas físicas, até um valor de 5% de sua renda declarada no ano anterior, podendo o mesmo abater de seu imposto de renda. Ou, um valor máximo por pessoa, definido previamente pelo tribunal eleitoral, sempre passível de ser abatido do imposto de renda.

No caso das eleições majoritárias de presidente, Senado e Governo Estadual, em que não existe a divisão da circunscrição eleitoral (Estado ou país), ademais das doações poderiam os partidos utilizar o fundo partidário, expressamente designado para esta finalidade. Claro que há um prejuízo para o contribuinte, mas seria ingênuo imaginar que seria possível realizar uma eleição presidencial apenas com doações de militantes, amigos e simpatizantes dos partidos e candidatos.

O terceiro problema que quero aqui abordar refere-se ao leque partidário que temos hoje em dia, extremamente aberto, com praticamente 40 partidos legalizados e mais de 40 solicitando inscrição. É um número excessivo, em qualquer ângulo de análise. Por outro lado, sabe-se que alguns destes partidos são simples cabides de emprego ou forma pouco lícita de ganhar dinheiro. Partidos de circunstâncias, sem ideologia, sem história, sem base social como ocorre com a maioria dos pequenos partidos, e mesmo de alguns médios.

Delações
As delações referentes à compra de tempo de TV de partidos políticos por parte do PT – caso do PDT – nas últimas eleições presidenciais confirmam esta assertiva. Não me parece correto proibir a criação de novos partidos, seria engessar a sociedade e atentar contra o direito de organização dos cidadãos, mas pode-se proibir o acesso ao fundo partidário àqueles que obtiverem menos de 3% dos votos do eleitorado, distribuído em pelo menos seis estados da Federação. E restrições outras, a serem implementadas no âmbito dos Parlamentos. Este tipo de cláusula de barreira é imprescindível para se criar o mínimo de condições para a governabilidade. Isso obrigará a partidos pequenos, de boa respeitabilidade, a se juntarem – como o PPS tentou fazer com o PSB – ou a ampliarem sua audiência.

Uma lição importante pode-se tirar das eleições francesas para facilitar a construção da governabilidade, atribuindo condições mais favoráveis a criação de maiorias parlamentares. Trata-se da decalagem entre a eleição residencial e as parlamentares. No caso do Brasil, poder-se-ia fazer as eleições parlamentares ocorrerem 45 dias após as eleições para o Executivo. Essa forma facilita a que os eleitos no Executivo tenham uma maioria no Parlamento respectivo, o que cria melhores condições de governabilidade. Embora a obtenção da maioria não seja automática, e no nosso caso, talvez até impossível. Mas daria maior poder ao Executivo e maiores chances de se estabelecer uma governabilidade mais estável e menos corrupta.

Um quarto problema diz respeito aos limites da legitimidade obtida hoje pelos partidos, absolutamente comprometidos e desprestigiados, sem capacidade de renovação. O que nos obriga a pensar na possibilidade de adotar o sistema de candidaturas avulsas. Afinal, pode ser um instrumento de renovação da política e de aumento da legitimidade dos parlamentos. Enquanto ela não é criada, partidos como a Rede Sustentabilidade tomaram a iniciativa de reservar uma parte de suas vagas a candidaturas desta natureza, na qual os candidatos não têm vínculo partidário, tendo apenas que observar as suas regras éticas de funcionamento. O ideal, no entanto, é que a legislação considerasse esta possibilidade, definindo suas condições, como a apresentação da candidatura por um percentual dos eleitores.

Finalmente, duas outras medidas poderiam ser adotadas. A primeira referente a prestação de contas, que deveria ser on line e de livre acesso a todos os cidadãos para que as eleições sofressem menos deturpações provenientes de forças econômicas ilícitas e, simultaneamente, ganhassem mais transparência e aumentassem o poder de controle da população. Assim como, sua aprovação pelo Poder Judiciário em tempo expedito. E, para concluir, aparentemente o sistema de reeleição mostrou-se pouco afeito a nossa cultura política, assim, seria recomendável extingui-la e propor uma ampliação de cinco anos para os mandatos.

Este pequeno conjunto de normas tem o poder de provocar uma renovação importante em nossa política e, sobretudo, uma melhoria na qualidade da representação política? Não se pode afirmar com certeza, mas os indícios de melhoria são evidentes. De toda forma, a melhoria na nossa representação está relacionada a um problema mais profundo, que as regras simplesmente não resolvem, embora possam auxiliar ou prejudicar, trata-se da cultura política dos eleitores. Com menores custos e maior aproximação entre representantes e representados é possível que a política ganhe um maior prestígio em nossa sociedade e, com isso, possa interessar mais aos cidadãos e se renovar com maior rapidez, e para melhor.

É uma aposta, mas é necessário fazê-la. Afinal, se as regras não definem toda a qualidade da representação política pode ser uma ferramenta favorável, ou desfavorável. O que está se desenhando no Congresso Nacional, tudo indica, não irá favorecer esta renovação. Por isso, é imprescindível uma aliança dos deputados e senadores que têm compromisso com a construção da nação e não apenas consigo mesmo, e por decorrência com suas corporações, para criar normas de arejamento da política. É a batalha do momento.

* Elimar Pinheiro do Nascimento é sociólogo político e socioambiental, professor permanente do Programa de Pós-Graduação de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e do Programa de Pós-Graduação Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas

 

Privacy Preference Center