O Brasil é hoje prisioneiro das corporações que foram largamente alimentadas nos últimos quase 30 anos pela Constituição de 1988. Em época de crise o sentimento corporativista apenas se aguça. Cada qual quer garantir o seu, não importa a que custo.
O todo, ninguém pensa, pois, os governantes, que deveriam fazê-lo, têm que administrar as reinvindicações, cada vez mais impossíveis, das diversas corporações. Donas que são do Estado, várias, desde o grande capital até os servidores. E não apenas do Executivo, também do Parlamento e do Judiciário.
Essa posse excessiva sela a impossibilidade de sairmos da crise. Mais ainda, nos empurra para ela, cada vez mais. O exemplo é o Rio de Janeiro hoje, o retrato do que poderemos ser, todos os Estados, amanhã.
Um exemplo singelo, a reforma do ensino médio. Todos os especialistas estão em acordo que há disciplinas demais: matemática, gramática portuguesa, produção de texto, literatura, biologia, física, química, história, geografia, sociologia, filosofia, educação física, inglês e arte. Em algumas escolas soma-se o ensino religioso e, em outras, o espanhol. Ou seja, em torno de 15 disciplinas.
Todos estão em acordo que é preciso reduzir. Deveriam existir algumas poucas disciplinas obrigatórias como matemática, português, inglês, arte e educação física, por exemplo, todas que dizem respeito à linguagem, à lógica, à criatividade, e, em seguida, disciplinas optativas, de 3 a 4 no máximo, selecionadas por livre escolha do aluno e/ou possibilidade da escola.
Tornaria o sistema mais racional, mais flexível e daria mais liberdade aos estudantes. Mas, aqui começa o jogo das corporações: ninguém quer que seja a sua disciplina a tornar-se a optativa.
Uma dessas corporações é a dos sociólogos. São absolutamente contra a transformação da disciplina de sociologia em optativa. Os argumentos são insustentáveis. O mais frequente: retiraria do aluno o senso crítico em relação às mazelas da sociedade. Será? A forma e o tempo que os alunos têm para estudar sociologia no ensino médio não permitem uma afirmação desta natureza.
O mesmo ocorre, por exemplo, com a filosofia. Hoje, o mundo não é igual aos anos 1960. Hoje as pessoas aprendem, certas coisas, e por vezes as mais importantes, muito mais nas suas relações sociais do que nas escolas. O senso crítico não nasce de aulas de sociologia, mas do meio familiar, das relações de amizade, das leituras mil que fazemos diariamente, do trabalho com as informações, imensas, que acessamos cotidianamente.
Enfim, das experiências vivenciais e do trabalho que fazemos, e como o fazemos. Quando o ensino médio era dividido em científico, clássico e técnico, não há indícios suficientes para se afirmar que eram os alunos do clássico mais politizados do que os do científico.
O movimento estudantil estava presente não apenas na Faculdade de Ciências Sociais, mas nas engenharias, agronomia, artes e na medicina. E se a sociologia fosse essencial para alcançar um espírito crítico, seria o caso de eliminar as disciplinas do antigo cientifico? Estaríamos dispostos a defender uma sociedade de críticos famintos?
Por que a sociologia seria mais importante que a história ou a biologia? Quais os argumentos? E mais importante do que a geografia ou a física? Ou mesmo mais do que outras disciplinas que não são oferecidas como educação ambiental, empreendedorismo, educação financeira ou economia, administração ou direito? Quais os argumentos válidos, além da defesa do mercado de trabalho para os sociólogos que decidem ser professores de sociologia? O mais límpido corporativismo.