Com mortes e caos econômico e social, Bolsonaro só vê ele, filhos e Adélio
Uma imagem vale mais do que mil palavras, e a do superministro Paulo Guedes no pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, na sexta-feira, diz tudo. O único de máscara, em mangas e sem sapatos, o segundo pilar do governo parecia seguir, só de meias, os passos do já ex-ministro Sérgio Moro. Ou seja, está se lixando para o cargo e para Bolsonaro. Fim de festa.
Com o governo esfarelando, um militar de alta patente define o clima: “Muita tristeza”. Junto com o governo, esfarelam-se os sonhos de por ordem na bagunça, combater com Moro a corrupção e o crime organizado, recuperar com Guedes a economia, os empregos e a esperança. Seria impossível com um tenente rechaçado, depois um parlamentar inútil. Mas só agora eles admitem. Talvez, tarde demais para descolar as Forças Armadas do desastre. Triste mesmo.
Jair Bolsonaro é incansável em seus movimentos suicidas, envolto em sombras, combatendo inimigos por toda parte, fazendo só o que lhe dá na cabeça. Ou o que os filhos lhe põem na cabeça. Por que a obsessão em demitir o delegado Maurício Valeixo da Polícia Federal? Em nomear um pau-mandado na PF do Rio, sua base? E abrir crise na PF e derrubar Moro, o maior troféu do governo, dias depois de Mandetta e em meio ao caos?
Moro resumiu numa única palavra, ao pedir “a razão” de tudo isso. A resposta está na psicologia, egolatria, medo, culpa e na proteção dos filhos 01, 02 e 03 de investigações sobre rachadinhas, fake news, gabinete do ódio e organização e financiamento de atos golpistas. Ante pandemia, mais de 4 mil mortos, o desespero de empresários, empregados e Ministério da Economia, Bolsonaro só pensou nele e nos filhos.
Completamente perdido na pandemia, com escavadeiras abrindo covas a mil por hora, economia implodindo, governo esfarelando, miséria disparando e violência ameaçando, Bolsonaro foi acusado, nada mais, nada menos, por Sérgio Moro, e nada mais, nada menos, de exigir acesso aos relatórios de inteligência e às investigações sigilosas da PF. Essas sobre os filhos e amigos e aquelas contra inimigos. Um arsenal político que ditadores adoram.
Mas, depois de saracotear por aí contra o isolamento, tudo o que o presidente ofereceu à Nação no seu pronunciamento foi um personagem bonzinho e simples, que economiza com piscina, menu e gabinete. Até da triste história familiar da mulher ele falou. Há quem tenha achado comovente. Certamente não é o caso de Judiciário, Legislativo e parte do próprio Executivo. Nem de OAB, ABI, mundo empresarial e financeiro e grandes democracias.
O pronunciamento foi sobre ele, ele e ele. Por que demitir Valeixo? Porque, depois de milhares de horas de investigações, a PF não concluiu o que “ele” queria: que a facada foi um complô, quem sabe da China comunista? E Valeixo não atropelou as leis e o MP-RJ nas investigações sobre Marielle, o condomínio da Barra da Tijuca e as namoradas do filho 04 – que, aliás, traçou metade das vizinhas, típica questão de Estado. Valeixo tinha de fazer isso? Sim, “ele” queria. “Eu sou a Constituição.”
O novo ministro da Justiça chega no fim da festa, sem PF, Coaf e a aura de Moro. O delegado Alexandre Ramagem, que deve migrar da Abin para a PF, vai precisar comer muito feijão para ficar parrudo como Valeixo e convencer a corporação de que não é um Fernando Segóvia, o indicado político que resistiu só 99 dias no cargo no governo Temer. E… que vai seguir o manual.
A Bolsonaro e Moro resta uma acareação jurídica, política e midiática. Bolsonaro não entende nada dessa seara, como de tantas e tantas outras, mas Moro estará em seu habitat. Se um afunda, o outro emerge na política, o que pode dar em tudo ou nada, mas passa a ser o grande pesadelo de um ser conturbado e sob risco real de impeachment.