Com Luiz Fux, pode haver situação insólita: presidente do STF abstendo-se de julgar
Enquanto as pessoas se aglomeram irritantemente em praias, bares e festas, a pandemia parece arrefecer, mas ainda é ameaçadora, e o foco está em três frentes que confluem mais e mais na mesma direção: a família Bolsonaro, o Rio (a capital e o Estado) e o Supremo Tribunal Federal. Os três têm um encontro marcado nesta quinta-feira, quando muda o comando do STF.
O presidente Jair Bolsonaro e dois dos seus filhos, o senador Flávio e o vereador Carlos, têm base eleitoral do Rio, estão às voltas com investigações variadas e agora podem comemorar à vontade: estão com a faca e o queijo na mão, junto com o governador interino Cláudio Castro, o prefeito Marcelo Crivella e, consta, toda a estrutura de poder.
E assim vão caindo, um a um, os empecilhos para o domínio dos Bolsonaro no Rio. O Coaf apresentou ao Brasil um cidadão chamado Fabrício Queiroz? Despacham-se o Coaf para o Banco Central e o Queiroz para a casa do advogado da família. O ministro Sérgio Moro se recusava a trocar as cúpulas da PF nacional e no Rio? Que então Moro tivesse, e teve, “a dignidade de se demitir”. A Receita importunava a base evangélica do presidente, muito forte no Rio? Nada que uma boa conversinha não resolvesse.
Sobrou o governador Wilson Witzel, que surfou na onda bolsonarista em 2018 e depois pulou fora, deixando um rastro classificado como “muito grave” pelo Ministério Público e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Foi fácil afastá-lo, como foi cooptar o vice Cláudio Castro, que também tem seus probleminhas com o MP e precisa desesperadamente da mãozinha do governo federal para se equilibrar no cargo de Witzel. Com Crivella já andava tudo numa boa. Só faltava uma juíza qualquer censurar a publicação das investigações contra os filhos. Não falta mais.
E o que vai acontecer com o Rio? Ninguém tem ideia, mas fica aquela dolorosa sensação de vaso quebrado que não tem jeito. Todos os ex-governadores estão ou foram presos, o atual está afastado, a cúpula da Assembleia caiu, a do Tribunal de Contas ruiu como castelo de cartas. Resultado: a crise é moral, ética, social, de segurança, política, econômica e financeira. Por onde começar?
Todo esse caldeirão cai necessariamente no Supremo, onde nesta quinta-feira a presidência sai de Dias Toffoli e vai para o carioca Luiz Fux. Toffoli entrou na Corte como o maior petista-lulista e sai da presidência como o principal, talvez único, aliado de Bolsonaro. Fux assume como o maior aliado da Lava Jato, mas com um constrangimento: as naturalmente fortes ligações com o Rio, um Estado conflagrado.
Ministros de tribunais já têm relação especial com seus Estados, onde conhecem todo mundo, são bajulados pelos Poderes e admirados pela sociedade, frequentam solenidades públicas e festas particulares. No caso de Fux, com duas peculiaridades: por temperamento, mas não só, ele tem interlocução e simpatias em toda parte e é juiz de carreira no Rio, como Witzel. O ministro, aliás, foi primeiro de turma.
Logo, não está descartada uma situação bastante insólita: o presidente do Supremo se abster em julgamentos que dizem respeito ao Rio, muitos deles intrincados com os Bolsonaro. Já deve haver quem colecione fotos de almoços, jantares, festas, tentando conexões maldosas. Fotos não dizem nada, em especial para homens públicos, que a toda hora são chamados para um clique, mas Fux não é chegado a falsos heroísmos e preza o velho e bom “à mulher de César, não basta ser honesta, é preciso parecer honesta”. O direito diz que, na dúvida, pró réu. Neste caso, pró abstenção.
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