Sem culpa na pandemia, militares têm tudo a ver com políticas para Amazônia e China
A pressão dos fundos de investimento contra o desmatamento e as ameaças às comunidades indígenas e quilombolas pôs o foco na política, na visão catastrófica e nos erros de execução para o meio ambiente, mas também jogou luzes numa outra ferida aberta no Brasil: a política externa do governo Jair Bolsonaro, que é pautada pela beligerância e oscila entre o incompreensível e o pernicioso.
A culpa, mais uma vez, é do mordomo, ops!, do ministro de plantão. Assim como o mundo desabou na cabeça do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, está desabando também na do chanceler Ernesto Araújo. Não que eles sejam santos nessa história, mas nenhum dos dois caiu de paraquedas no cargo e ambos executam a política que vem de cima, de Bolsonaro. Como o próprio general Eduardo Pazuello, da Saúde.
Salles nunca tinha pisado na Amazônia, Pazuello nunca tinha sido apresentado pessoalmente a uma curva epidemiológica e Ernesto Araújo, um embaixador júnior, jamais havia comandado uma embaixada antes de assumir o Itamaraty. Logo, a ascensão dos três tem algo em comum: eles não foram colocados lá por terem grande experiência e expertise nessas áreas, mas para fazer tudo o que seu mestre mandar.
Se, apesar do general Pazuello, os militares têm pouco a ver com as decisões na pandemia, eles têm tudo a ver com a avaliação do governo sobre Amazônia e China. Assim como Bolsonaro, mas com muito mais conhecimento, os generais também consideram um exagero, típica coisa de esquerda, manter praticamente intocadas a Amazônia e as imensas reservas indígenas. Se a Europa virou potência destruindo tudo, por que “essa frescura” no Brasil? Ricardo Salles é peixe miúdo nesse debate.
Quanto à China, a visão que Ernesto Araújo manifesta publicamente coincide com a que os generais defendem internamente: a estratégia de Pequim é não apenas desbancar os Estados Unidos e virar a maior potência econômica, mas dominar e impor o regime comunista ao mundo. Como os militares não se cansam de lembrar, o gigante asiático é liberal na economia, mas uma ditadura inquestionável.
A questão, tratada de forma primária e grotesca pelos filhos e aliados do presidente, merece reflexão mais qualificada nas áreas estratégicas. A China começou a “infiltração” pela via comercial, comprando matéria-prima e vendendo de quinquilharias a fortes manufaturados, enveredou pela área industrial, sofisticando ao máximo sua produção, e chegou à fase agressiva de aquisição despudorada de companhias e terras na África e na América Latina – o chamado “quintal” de Washington.
Como o governo Bolsonaro digere e reage? Pulando de corpo e alma no governo Trump, polêmico, condenável sob vários aspectos e agora sob risco de derrota. Ou seja: entra de gaiato numa guerra de gigantes, não ganha nada com isso e pode perder muito em caso de vitória dos democratas.
Aí, o peixe miúdo é Araújo. Quem decidiu e executou a aliança com o “amigão” Trump foi Bolsonaro, que foi também quem atacou França, Alemanha, Noruega, Argentina, Chile, mundo árabe… E está esfarelando a imagem do Brasil com suas crenças, idiossincrasias e erros grosseiros em áreas fundamentais.
Os generais, diplomatas e ministros alertas, porém, acertam num ponto: empurrar com a barriga a decisão sobre o 5-G. A chinesa Huawei tem a melhor tecnologia, mas é ilusão achar que seria viável para todos e ingenuidade pensar que se trata de puro negócio. Não é. A Huawei é estatal e tende a se transformar num poderoso instrumento chinês do que os generais brasileiros veem como dominação do mundo. Quem tem informação tem poder. Quem tiver os dados de todos os cidadãos de todos os continentes terá o controle do planeta.