Urnas derrotaram os candidatos, os apoiadores e tudo o que Bolsonaro fala e representa
Tal qual o verdadeiro Trump nos Estados Unidos, o Trump tupiniquim, Jair Bolsonaro, também nega a realidade, não reconhece a derrota e, como não dá para acusar a mídia desta vez, ataca a urna eletrônica e já ensaia o discurso da fraude! Nenhuma pirotecnia, porém, é capaz de anular ou esconder Suas Excelências, os fatos. E os fatos são claríssimos: Bolsonaro é o grande derrotado das eleições municipais de 2020.
Não apenas seus candidatos perderam feio e os votos do seu filho Carlos encolheram 34% na base eleitoral da família, o Rio, como tudo o que Bolsonaro representa afundou: 1) a antipolítica cedeu lugar à política, à experiência, aos partidos; 2) o PSL, que inflou e se transformou em segunda força na Câmara, murchou; 3) tanto bolsonaristas renitentes quanto arrependidos, que brilharam em 2018, apagaram em 2020.
As eleições confirmaram que o Brasil é de centro e que a chegada ao poder da extrema direita bruta, virulenta, delirante e sem programa, foi um ponto fora da curva, que vai ficando rapidamente no passado. O novo normal é normal mesmo. DEM, PSDB, MDB, PSD e Cidadania, que formam um sólido bloco de centro que não se confunde com o Centrão, vão recuperando o espaço perdido para Bolsonaro.
Assim, 2020 projeta a volta do centro e uma polarização atualizada: a direita não é exclusivamente bolsonarista e a esquerda não é mais apenas petista. A direita experiente e confiável amplia seu leque e se articula inclusive com setores da esquerda moderada. A esquerda ganha nova cara e frescor. Basta ver o desempenho no primeiro turno e as perspectivas no segundo de PSOL, PDT, PCdoB e PSB.
Mais do que a derrota de tudo o que Bolsonaro significa e de tudo que ele trouxe à cena nacional em 2018, a guinada político-eleitoral deve ter efeitos práticos e imediatos. Onde? No governo. Não dá mais para fingir que as falas e atos de Bolsonaro são normais e que os militares continuam indiferentes ou coniventes. Muita coisa está mudando e até parte dos militares já admitiu o óbvio: o rei está nu.
O resultado das eleições reforça a posição e os argumentos dos generais, almirantes, brigadeiros e assessores que mantêm os pés no chão e tentam chamar o presidente à realidade, alertá-lo para o que está ocorrendo. Com nomes, siglas, números e porcentuais, talvez alguém possa convencê-lo de que ele faz mal à saúde – dele, do governo e do País. Precisa parar e refletir.
A eleição coincide com a explicitação do racha do governo entre duas “alas”. De um lado, “os meninos” da ala ideológica, capazes de ameaçar o Supremo, ironizar o Congresso e chamar um general de quatro estrelas de “Maria Fofoca”. De outro, a “ala militar”, que mais e mais aplaude em silêncio o vice-presidente, general de Exército Hamilton Mourão.
Os “meninos” pululam em torno dos filhos de Bolsonaro, brincando de ideologia, reverenciando gurus, fazendo apologia de armas, guerreando a favor das más e contra as boas causas. Já a “ala militar” tenta dar ordem à bagunça e se descolar do linguajar do presidente: “pólvora” (contra os EUA), “maricas”, “boiolas”, “gripezinha”, “conversinha fiada”… Como reagiu o general Santos Cruz pelas redes, “é uma vergonha”. Quem há de discordar?
Assim, a derrota de Bolsonaro vem bem a calhar, para dar um choque de realidade e tentar acordar o presidente para o que de fato importa: a pandemia, a economia, a crise social. Assim como Trump perdeu nos EUA, a extrema direita, os seguidores e o blábláblá que levaram Bolsonaro à Presidência também perderam no Brasil. Bolsonaro despedaçou suas promessas e princípios de 2018 e os eleitores fizeram picadinho do que havia sobrado. Os militares estão vendo tudo isso. O Centrão também.