Eliane Cantanhêde: Fux, sem subterfúgio

Em vez de defender o combate à corrupção em tese, Fux citou especificamente a Lava Jato.
Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Corrêa/PR

Em vez de defender o combate à corrupção em tese, Fux citou especificamente a Lava Jato

Se o Supremo Tribunal Federal agir e decidir nos próximos dois anos como se comprometeu ontem o seu novo presidente, Luiz Fux, será um sucesso, um bom momento para a Justiça brasileira. Não custa lembrar, porém, que, entre palavras e atos, há uma enorme distância. Entre o desejo e as condições práticas, também. E é preciso combinar com os “adversários” – inclusive os demais ministros. Logo, a torcida é para Fux perseguir suas promessas e os princípios manifestados, enfrentar as naturais divisões internas e as pressões externas.

Em seu discurso, que abriu com um tributo aos quase 130 mil mortos pela covid-19, geralmente esquecidos nas falas do Executivo, ele disse que “democracia não é silêncio, é debate construtivo”, e defendeu a independência entre Poderes, mas “com altivez e vigilância e não com contemplação nem subserviência”. Ao seu lado, o presidente Jair Bolsonaro, finalmente de máscara, apesar das telas transparentes que separavam os ministros e autoridades, não mexia um músculo.

Fux também criticou a judicialização da política e o excesso de ações que o Supremo julga por ano – 115.603 em 2019. Ao dizer que o Judiciário não é “oráculo”, pregou que Executivo e Legislativo resolvam seus conflitos internos, sem que o Supremo atue verticalmente, e prometeu uma “intervenção minimalista” em matérias sensíveis: “menos é mais”, disse. Além de enaltecer a democracia e a mínima interferência em temas dos demais Poderes, ele se comprometeu veementemente com uma ação firme em favor de minorias, liberdade de expressão e de imprensa e, junto com isso, com o combate à corrupção e ao crime organizado.

O recado mais objetivo do discurso de posse, porém, foi quando Fux saiu dos princípios gerais, das frases de efeito e das citações eruditas para dizer com todas as letras, sem subterfúgio, que sua gestão será pró-Lava Jato. Além de citar diretamente a operação e o mensalão, marcos contra a corrupção no Brasil, ele fez mais: lembrou aos quatro ventos, especialmente para a cúpula do poder nacional, ali presente, que todas as operações foram realizadas com autorização judicial. Inclusive do próprio Supremo.

Essas manifestações têm enorme significado diante das múltiplas frentes de ataque à Lava Jato e da correspondente reação das forças-tarefa. A cada ataque, uma nova operação – como a que atingiu em cheio, na véspera da posse, os advogados, até agora preservados e na linha de frente do tiroteio contra a Lava Jato, por motivos óbvios.

Se o Supremo é unânime ao dizer não aos arroubos antidemocráticos, sejam do presidente Bolsonaro, de seus adeptos e robôs de internet, a Corte se divide quanto o tema é Lava Jato. Por isso a importância da manifestação de Fux. O presidente tomou partido, reafirmou já na posse os seus votos, em plenário e na Primeira Turma, a favor das duas maiores operações de combate à corrupção de que se tem notícia.

Na pauta do Supremo, destacam-se a investigação de Bolsonaro por interferência política na Polícia Federal e o julgamento, na Segunda Turma, da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro na condenação do ex-presidente Lula. E, claro, respingarão na Corte as decisões do Congresso sobre a prisão após condenação em segunda instância, que teve idas e vinda tortuosas e julgamentos apertados no plenário – em geral por um voto.

Celso de Mello sai em novembro e Marco Aurélio, no ano que vem. Ambos são contra a prisão em segunda instância. Portanto, se houver um novo julgamento, a decisão vai depender dos dois futuros ministros. Ou seja: de Jair Bolsonaro. Deste que é candidato à reeleição em 2022, não daquele de 2018. A grande interrogação, aliás, é justamente essa: como será a relação deles, Bolsonaro e Fux.

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